Para profissionais da psicologia e psicanálise, novas gerações não estão sendo preparadas adequadamente para as frustrações da vida.

Foto: Alex Trombetta/JdeB.
No supermercado, a criança pede para os pais comprarem determinada guloseima e ouve um ‘não’. Na loja de brinquedos, a mesma coisa. Assim como no parque de diversões ou no shopping. A atitude da criança é chorar desesperadamente, se atirar no chão e fazer todo tipo de algazarra para chamar a atenção dos pais. A situação atrai olhares das pessoas em volta e, para evitar mais constrangimentos, os pais aceitam fazer a vontade do filho. Esta atitude simples, sem um diálogo adequado, uma conversa explicativa e uma postura mais firme por parte dos pais – na maior parte das vezes necessária – vem criando uma geração de pais e filhos da modernidade que preocupa os profissionais e estudiosos dos mistérios da mente humana.
A dificuldade dos pais em dizer ‘não’ para seus filhos e a superproteção que eles proporcionam às crianças tem resultado no surgimento de um geração “das coisas fáceis e do mundo aos seus pés”, como define o psicólogo e psicanalista Érico Peres Oliveira, da Clínica Maria de Fátima, de Francisco Beltrão. “Aparentemente os pais, neste processo de criação atual, estão, de certa forma, permitindo que os filhos sintam que são especiais demais e que tudo se conquista com muita facilidade. Isso pode vir a gerar adultos que não sabem lidar com a frustração, que não aprenderam desde cedo que a vida não é tão simples assim”, afirma.
O psicólogo acredita que uma criança que cresce desta maneira, superprotegida, pode vir a ser um adolescente e um adulto que sentirá dificuldades quando tiver real contato com o mundo. Ele defende que as crianças precisam ouvir mais ‘nãos’ de seus pais para que realmente entendam os desafios e as dificuldades da vida e saibam lidar melhor com as frustrações no futuro. “Está frequente ver um adolescente que diante de um primeiro enfrentamento mais difícil, como não passar num vestibular, já cogitar um suicídio. Ou seja, tudo correu com tanta facilidade até ali, como agora está tão difícil? Quando os pais perdem a habilidade de manusear esta frustração, que seria quando a criança vai para o mundo afora, isso surge de uma forma muito chocante para o adolescente e ele não sabe lidar. Não passa no vestibular, é suicídio. Termina um relacionamento, é suicídio”, ressalta Érico.
O psicanalista especializado em psicanálise infantil Bruno Peres Oliveira, também da Clínica Maria de Fátima, também aborda a ausência do ‘não’ na vida da nova geração. Segundo ele, não se pode generalizar, mas a maioria dos pais encontra muita dificuldade em impor os limites para seus filhos e se sentem culpados se o filho se frustrar com algo. “É como se essas crianças estivessem sendo criadas dentro de uma bolha, intocáveis e protegidas de tudo pelos pais. É comum perceber crianças e pré-adolescentes que não tem uma noção clara do mundo, ou seja, do que está acontecendo lá fora. A vida está muito no joguinho, no computador e nas tecnologias. São crianças que dificilmente recebem um ‘não’ e, quando recebem, ficam muito frustradas”, comenta Bruno.
Pais mais ausentes hoje
Parte deste comportamento dos pais da atualidade é atrelado à ausência, provocada por jornadas de trabalho excessivas e cansativas. Para Bruno, esta dificuldade dos pais em impor certos limites ou negar desejos dos filhos é, em parte, para tentar compensar esta falta no dia a dia. “Os pais estão trabalhando mais hoje, eles precisam trabalhar mais porque querem dar uma vida melhor para seus filhos. Só que ficam mais cansados e não conseguem chegar em casa para sentar no chão e brincar com este filho. Ele terceiriza a brincadeira colocando um tablet, videogame e outras coisas, com medo de ser um pai ruim. A criança não recebe a atenção dos pais e busca formas de chamar a atenção, e aí o processo de desencadear a depressão infantil, que se materializa com uma nota baixa ou comportamento birrento”, destaca o psicanalista.
Bruno ressalta que, apesar de doenças como a depressão se manifestarem normalmente na fase adulta, o quadro depressivo na infância é muito mais comum do que se imagina. “O baque vai ser na vida adulta normalmente. Mas estamos criando uma geração despreparada, não dá para generalizar, mas uma boa parte é assim.”
Érico recorda-se de sua época e de sua geração, quando os pais tiravam momentos para “sentar no tapete e brincar”. Ele também frisa o fato de que, há algumas décadas, o respeito dos filhos com os pais era maior. “Quando éramos crianças, não tinha isso de ficar chorando para querer ganhar alguma coisa. A gente recebia um olhar feio do pai e já sabia que tinha que se comportar. Tinha o horário da tarefa, da televisão, e na hora do jornal ninguém ia ver desenho ou jogar videogame. Hoje, na casa que tem crianças pequenas, a TV não é para o adulto, é para a criança. Isso remete às dificuldades dos pais em dizerem não”, afirma o psicólogo.
Funções não estão mais claras
Dentro dos ensinamentos da psicanálise, Bruno e Érico relatam que quando a criança nasce forma um vínculo muito forte com a mãe, e a mãe faz todo movimento de apresentar o mundo para esta criança. Chega determinado momento que esta criança sente que não é mais tudo para essa mãe, porque acontece uma ruptura, chamada de “processo de castração”. Já o pai tinha a função de lançar esta criança para o mundo, colocar as regras e leis e delimitar até onde por ir. Em debates recentes na psicanálise, discute-se a mudança que está ocorrendo nessa função, visto que o pai hoje sente dificuldade em inserir os limites”, destaca Bruno.
Muita tecnologia, mais preocupação
A tecnologia é apontada pelos profissionais como outro fator que tem alterado o comportamento. Segundo eles, as pessoas vivem como se estivessem em ilhas, isolados do mundo, ligados na tecnologia de seus tablets, smartphones e computadores. “Excesso de tecnologia é outro mal dentro da casa. Não vemos hoje a família sentar no sofá para assistir um programa juntos. Cada um tem sua TV, seu celular, e estão fazendo tudo ao mesmo tempo. Esse pai e essa mãe que acordaram cedo, trabalharam o dia todo, chegam em casa cansados querem um pouco de ócio. Então se fica no celular. Mas onde fica o tempo para o filho? Essa terceirização para a tecnologia também preocupa. Não se sabe no que isso vai desencadear”, ressalta Érico.