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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Sociedade é educada para a vida, mas precisa discutir a morte

Psicóloga salienta que a pandemia de coronavírus tem escancarado a questão da morte.

Psicóloga Angela Morais fala sobre Educação para a Morte,

um tema que precisa ser mais abordado nos cursos de saúde.

Nunca o número de mortes no Brasil foi registrado e divulgado com tanta ênfase na imprensa como nesta pandemia de coronavírus. Todos os canais de comunicação passaram a quantificar diariamente as mortes em decorrência da Covid-19 e isso se tornou cada vez mais presente na vida dos brasileiros. Diariamente, um novo boletim alertando sobre mais mortes, gerando angústia e até depressão em muitos cidadãos brasileiros.

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Neste ano, em todo o Brasil, segundo o portal da Transparência do Registro Civil, ocorreram 1.052.942 registros de óbitos, dos quais 55.445 no Paraná e 381 em Francisco Beltrão. Esse número se refere a todos os tipos de mortes. Se considerar apenas a Covid-19, são 143.010 mortes no Brasil, 4.422 no Paraná e 24 em Francisco Beltrão. O Jornal de Beltrão procurou a psicóloga Ângela Morais, do Hospital Regional de Francisco Beltrão, que tem pesquisas na área, para falar sobre como a sociedade e as famílias estão sendo preparadas para lidar com a morte dos entes queridos.

“A espécie humana é a única que sabe que vai morrer, a única que tem consciência da sua própria finitude. Isso gera uma angústia inevitável para a qual desenvolvemos diversas e variadas defesas, incluindo a ‘negação’ da morte como se não pensar e nem falar sobre afastasse essa ameaça constante de nossas vidas”, comenta.

De acordo com ela, cultural e historicamente somos educados para a vida e, por conseguinte, tudo o que se opõe à vida é rechaçado, evitado a todo custo. Assim a morte foi relegada a um estatuto de “tabu” e foi sendo excluída dos círculos sociais e acadêmicos. “Nesse sentido, a Educação para a Morte propõe revisitar essas defesas socialmente compartilhadas, trazer a morte para o debate, de modo a instrumentalizar as pessoas para lidarem de forma mais saudável com ela e com seus impactos. Trata-se de um conjunto de estratégias educativas que possibilitam espaços para a discussão do tema nos mais variados âmbitos – escola, saúde, comunidade, família, etc. – bem como para a legitimação do sofrimento de quem se encontra em vias de morrer ou que perdeu um ente querido.”

A psicóloga salienta que a pandemia de coronavírus tem escancarado a questão da morte. Diariamente uma enxurrada de notícias de mortes, números assustadores de perdas por uma doença que ameaça toda a sociedade. “O contato com a morte do outro traz à tona a consciência da nossa própria morte e isso provoca sofrimento, medo, angústia e, muitas vezes, se traduz em sintomas psicossomáticos. ”

Educação para a morte
Segundo ela, a Educação para a Morte é um tema que poucos conhecem, mas representa um processo que precisa ser iniciado, incrementado, estimulado por diferentes frentes e por políticas públicas de educação e de saúde para que produza efeitos positivos sobre a população. Como toda a mudança cultural, demanda investimento de tempo e confluência de esforços.

Paradoxo da pandemia
Angela chama a atenção ao fato que a pandemia, como outras catástrofes e desastres, revela um paradoxo: “por um lado, o movimento social de negação da morte, nosso comportamento de evitar o assunto; por outro, a curiosidade que se tem a respeito da morte. Os sites e programas de notícias policiais com uma audiência ávida por conteúdos desse tipo diz muito sobre a necessidade de discutirmos a morte de modo mais estruturado, planejado, sensível e sadio.

Daí a importância de se considerar a Educação para a Morte como via de melhor elaboração, compreensão e enfrentamento”.

Morte por Covid-19 é traumática
Ela observa que no contexto da Covid-19, em que se morre de uma forma totalmente diferente e potencialmente traumática, não há o acompanhamento do ser no seu processo de morrer, etapa em que são possíveis simbolizações de reconciliações, encaminhamentos, declarações e delegações. Não há a possibilidade dos rituais de despedida como velórios abertos, celebrações religiosas e sepultamentos que culturalmente sempre envolveram a família extensa, amigos e a comunidade em geral.

“Esses rituais consistem em espaços protegidos para a vivência da dor, recebimento do suporte afetivo e para o início de um trabalho de luto saudável que favorece a adaptação dos sobreviventes à perda. Portanto, a morte por Covid-19 tende a ser desamparada e solitária, tanto que seus impactos e desdobramentos ainda são difíceis de mensurar e avaliar.”

No auge da crise atual, os profissionais de saúde têm se visto literalmente na linha de frente, obrigatoriamente enfrentando mortes com essas características e isso sem terem tido preparos para tal. A formação da maioria dos cursos da área de saúde ainda não abrange programas de educação para a morte. “A grande maioria é preparada para ‘salvar vidas’ e não para perdê-las, o que é gerador de estresse e sofrimento por parte de profissionais, sobretudo nesse momento crítico.”

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