Saúde

Muitos fatores podem contribuir para fortalecer ou fragilizar o sistema imunológico. A alimentação equilibrada, com produtos minimamente processados e ricos em nutrientes é uma das principais condições para um organismo saudável. A médica Luciane Martignoni, especializada em Pediatria, Alergia e Imunologia, indica que tipos de alimentos podem contribuir para melhorar a imunidade, os avanços da Medicina neste campo e explica como funciona a imunidade de rebanho, um dos mecanismos para superar a pandemia de Covid-19.
Estamos numa época de grandes apelos pelo consumo de alimentos diversificados, muitas vezes saborosos, mas de pouco valor nutritivo. Há alimentos que podem ajudar na imunidade? Qual a sua opinião/orientação às pessoas?
Fatores externos podem prejudicar a imunidade e a saúde como um todo: má alimentação, rica em alimentos altamente processados e industrializados, estresse, privação de sono, alteração na microbiota intestinal (disbiose), sedentarismo, entre outros.
Dentre todos estes fatores, uma alimentação saudável atua em conjunto para fortalecer o sistema imunológico e auxiliar na proteção de diversas doenças.
Os alimentos in natura ou minimamente processados possuem nutrientes e fitoquímicos com propriedades protetoras, antioxidantes e antinflamatórias, melhorando assim a nossa imunidade. Dentre estes nutrientes, vale destacar a vitamina A e os carotenoides presentes no fígado, ovos, vegetais folhosos verde escuros, hortaliças e frutas amarelo-alaranjadas (manga, mamão, goiaba vermelha, abóbora, cenoura, batata-doce, espinafre e couve); a vitamina C presente na laranja, acerola, goiaba, caju, e em outras frutas cítricas ou vegetais crus; o zinco presente nas carnes vermelhas, fígado, miúdos e ovos; e o selênio, que tem na castanha do Brasil, em peixes (sardinha, salmão), fígado de boi, farelo de arroz, farinha de trigo integral. Os laticínios probióticos também são excelentes para reforçar o sistema imunológico.
A ciência e as pesquisas da Medicina têm evoluído muitos nos últimos anos. Na área da imunologia há descobertas/pesquisas importantes? A senhora gostaria de destacar algumas pesquisas relevantes na sua especialidade e que já são realidade nos consultórios?
As pesquisas deixam claro que as células do sistema imunológico inato podem ser treinadas por infecção anterior e exposição a vacinas. As células-tronco hematopoiéticas da medula podem conservar a memória epigenética de infecções anteriores, que são de longa duração, com propriedades de autorrenovação que mantêm a produção vitalícia de células imunes inatas. A imunidade inata treinada é aproveitada desta forma com potencial de auxiliar em terapias contra o câncer, paralisia imune associada à sepse e talvez, até mesmo, resistência a novos surtos virais, como o de SARS-CoV-2.
Muitas pesquisas na imunologia envolvem o microbioma, que são as colônias de bactérias, fungos e vírus que vivem dentro e sobre o nosso corpo, também pode ser considerado um componente do sistema imunológico inato, pois impacta profundamente os mecanismos de defesa. A composição microbiana do corpo influencia diretamente a maturação da resposta imunológica e sua eficácia contínua, protege contra o crescimento excessivo de patógenos e modula o equilíbrio entre a inflamação e o equilíbrio imunológico. Por exemplo, os micróbios da pele interagem com o sistema imunológico para promover a cicatrização de feridas. Existem agora dados convincentes de que o microbioma intestinal influencia o sistema nervoso, e existem esforços para determinar o mecanismo e desenvolver medicamentos para o cérebro.
O termo “disbiose” refere-se a uma mudança na composição, diversidade ou metabólitos do microbioma de um padrão saudável para um padrão associado à doença ou predisposição à doença, incluindo doença de Crohn e colite ulcerativa. O transplante de microbiota fecal tem sido alvo de pesquisas para tratamento de doença inflamatória intestinal e vaginose bacteriana. Acredita-se que a disbiose desempenhe um papel no desenvolvimento da obesidade, diabetes tipo 2, alergia alimentar, asma e dermatite atópica. Por causa de seu papel como orquestrador de processos biológicos, o microbioma oferece um alvo atraente para intervenção terapêutica. A manipulação do microbioma intestinal por meio de mudança na dieta é promissora para tratar diabetes tipo 2 e crianças desnutridas.
Neste momento de pandemia um termo que ganhou repercussão foi a a imunidade de rebanho. Como acontece isso?
A imunidade de rebanho é uma “barreira espacial” em comunidades intimamente conectadas, com a redução gradual da probabilidade de uma doença contagiosa que é transmitida de pessoa a pessoa, ter sua cadeia de infecção bloqueada. Isso ocorre quando uma porcentagem de indivíduos adquire imunidade natural pelo contágio ou por campanhas de vacinação em massa e, dessa forma, o vírus acaba por ter a transmissão significativamente diminuída e tende a desaparecer ou a causar números endêmicos não alarmantes. Para a atual pandemia de SARS-COV-2, estima se que a imunidade de rebanho seria alcançada quando 60-67% da população estiver imune.
Muito se fala que as crianças de hoje são menos resistentes porque ficam mais em casa ou apartamento, pegam menos sol, brincam menos na terra. Em termos científicos, isso procede? Que orientação a senhora, como mãe e médica, pode dar às famílias?
Nas últimas décadas o número de crianças e adultos com doenças alérgicas imunodesregulatórias como a asma, rinite, alergia alimentar, conjuntivite alérgicas, dermatites, infecções de repetição tem aumentado exponencialmente. Vários fatores ambientais que envolvem poluição, uso de agrotóxicos, melhorias na higiene diária com pouca ou nenhuma exposição a germes, erradicação da maioria das infecções por vermes parasitas, mudanças no aquecimento global e ventilação da casa, diminuição das atividades físicas ao ar livre e alterações na dieta devido a mudanças no estilo de vida, exercem um papel para o aumento da prevalência das doenças atópicas.
A prevenção de doenças alérgicas começa ainda intra-útero, com adequada nutrição materna, via de parto vaginal, aleitamento materno imediato ao nascimento e exclusivo até os seis meses, brincadeiras ao ar livre, rotina de hábitos de vida e alimentares saudáveis e redução a exposição aos tóxicos ambientais (agrotóxicos).
O organismo humano pode dar sinais de baixa imunidade? Quais os sinais mais comuns?
Atualmente temos catalogadas mais de 400 doenças caracterizadas como erros inatos da imunidade, doenças que são caracterizadas por falhas no sistema imunológico, gerando infecções em vários sistemas do organismo e que necessitam de tratamento especializado.
São sinais de alerta para imunodeficiências em adultos a ocorrência de duas ou mais novas otites ou sinusites por ano, diarreia crônica com perda de peso, infecções virais de repetição (resfriados, herpes, verrugas), abcessos profundos de repetição na pele ou órgãos internos e história familiar positiva de imunodeficiência, entre outros. Em crianças, deve-se considerar sintomas semelhantes, mas com frequência maior, além de infecções intestinais de repetição/diarreia crônica, um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite, septicemia), asma grave, doença do colágeno ou doença autoimune e efeito adverso ao BCG e/ou infecção por microbactéria, entre outros.
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