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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

“Se eu pudesse eu assoprava vida neles”, diz chefe da UTI do HRS sobre pacientes com covid

Auricelia Xavier de Oliveira Portella assumiu a unidade em novembro do ano passado e fala do cuidado no atendimento em um período de alta ocupação de leitos.

Auricelia Xavier de Oliveira Portella assumiu a UTI Covid no ano passado. “E eu sei que se eu passar dali, eu vou encontrá-lo”, fala sobre o vírus próximo à porta da UTI.

 

No local onde deveria funcionar o banco de leite, no Hospital Regional do Sudoeste (HRS) de Francisco Beltrão, está a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Covid, criada há pouco mais de um ano para receber pacientes suspeitos e positivados de coronavírus. Em novembro, a responsabilidade pela ala foi assumida pela enfermeira Auricelia Xavier de Oliveira Portella, uma cearense de 53 anos que desde 2007 vive em Beltrão. Já na entrada da UTI, em uma pequena sala de espera, acessada pela porta restrita aos funcionários, é que ela recebeu a reportagem. “É uma correria, é uma correria”, repetiu, sentando-se em uma poltrona verde azulada, dessas comuns em hospitais.

Auricelia ainda carrega o sotaque nordestino na sua fala. Quando chegou em Beltrão era técnica em Enfermagem, profissão com a qual assumiu o concurso público que a levou para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e também para o HRS. Antes disso, trabalhou como cuidadora de idosos, em um tempo que não conseguia se firmar no setor. Foi depois de cuidar de um dos pacientes até a morte, que ela fez Enfermagem no ano de 2015.

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“E eu faria de novo”, disse, repetindo a frase mesmo quando questionada se escolheria a profissão sabendo que passaria por uma pandemia. “Quando você ama o seu trabalho nada é difícil.” Porém, na UTI Covid, os desafios são muitos.

Desde dezembro do ano passado, a unidade já recebeu um incremento de 14 novos leitos e quando conversamos, na quarta-feira, dia 31 de março, todos estavam lotados. Um cenário que se mantém desde janeiro, com longas filas de espera, que somam mais de 200 pacientes na Macrorregião Oeste do Paraná aguardando por um espaço.

Auricelia acompanhou tudo isso em jornadas extensas de trabalho, mas que prefere fazer ao deixar a equipe ou um paciente na mão. Diariamente, chega 7h ou sai às 7h. É que ela cumpre dois horários, o de técnica de enfermagem concursada e o de enfermeira contratada. Como enfermeira, trabalha das 7h às 16h. Como técnica, trabalha das 18h40 às 7h – esse horário é intercalado, não trabalhando todas as noites. Mesmo com a extensa jornada e a demanda de trabalho no hospital, em casa, ela dedica duas horas para estudo do enfrentamento da pandemia. É que, como chefe do setor, cabe a ela não apenas administrar uma equipe, mas capacitá-la.

Enquanto conversávamos, precisou se ausentar três vezes. Está presente em tudo e quer resolver tudo. A única coisa que ela não consegue resolver é a morte. “Se eu pudesse eu assoprava vida neles. Porque são pessoas que têm uma vida. E a nossa equipe chega junto. Não pensamos no que aconteceu para ele [paciente] chegar aqui, quando ele chega aqui a nossa preocupação é melhorá-lo. Tem gente que às vezes pede: ‘não me deixa morrer, fica comigo, eu tenho uma família’. A gente sofre junto com eles. Tanto que nossa maior alegria é quando eles saem e podemos fazer um corredor para nos despedir”, defende.

Parte da equipe diurna da UTI Covid do HRS
Parte da equipe diurna da UTI Covid do HRS

Ela cita a história de um homem que internou no ano passado. Ela não se recorda a idade, mas lembra que era obeso, uma comorbidade que agrava a Covid-19. O paciente ficou três meses internado, perdeu peso, mas saiu recuperado. Há poucos dias, ela recebeu um vídeo dele enviado pela família, em que ele aparece andando. “E isso não tem preço. Ver a melhora. Porque é para isso que trabalhamos.”

 

“Hoje o vírus não escolhe”
O que auxilia os pacientes nesse processo é o amparo psicológico. Como o hospital é referência para atendimentos da Covid-19 na região, é ele quem recebe pacientes de várias cidades. Uma vez dentro da UTI, não podem receber visitas. E aí entra o papel da equipe psicológica em conversar com os que não estão intubados, fazer chamadas de vídeo com os familiares ou gastar horas em ligações para dar o boletim do estado do paciente à família. Um trabalho, segundo a psicóloga Aline Bonetti, que muitas vezes é mais de amparo do que de informações.

“Os psicólogos intercalam 15 dias aqui e 15 dias na outra UTI. Em cada quarto geralmente estão três, e o quadro deles, nesses momentos, geralmente é de um estado de ansiedade, depressivo. É muito sofrimento e não tem como não sentirmos o que eles sentem”, aponta.

Nesse momento, em que há fila de espera por leitos, nenhum fica vago por muito tempo. Felizmente, pontua Auricelia, o estado crítico assistido em outras cidades do Brasil, com pessoas sendo atendidas no chão ou sofrendo por falta de insumos, não aconteceu aqui. No máximo houve ambulâncias à porta da unidade, onde um leito era preparado para uma nova internação.

Com a nova variante, no entanto, Auricelia viu o perfil dos pacientes mudarem. Jovens saudáveis passaram a também ocupar os leitos. “Hoje o vírus não escolhe. Em quem der brecha, ele entra”, disse, apontando para uma porta que fica metros adiante de onde conversávamos: “E eu sei que se eu passar dali, eu vou encontrá-lo”.

A sobriedade com que fala faz parecer diminuir o impacto da luta contra o vírus. Mas a postura profissional é necessária para não se deixar abalar e conseguir cumprir cabalmente a missão que lhe foi conferida. Não à toa, foi sua forma de atuação que a fez ser uma das primeiras seis pessoas a tomar a primeira dose da vacina CoronaVac, no dia 19 de janeiro, em Beltrão, representando o HRS. Agora, ela já está imunizada, mas os cuidados não pararam.

Conversamos às 15h. Naquele horário ela disse já ter tomado dois banhos no dia e que também deixa um pano úmido no carro para limpar os pés quando entra pela porta do carona, já que sempre é buscada pelo marido.

Em relação aos cuidados e aos movimentos negacionistas, ela evitou falar sobre o tratamento precoce, sobre os remédios que compõem o kit Covid e sobre o impacto das fake news. Disse que ali dentro a única preocupação da equipe é em salvar vidas e fazer “tudo para a pessoa não ir para o tubo”. “O nosso cuidado é natural, mas infelizmente tem pessoas que só passando aqui vão entender.” E rapidamente abaixa sua máscara mostrando brevemente um sorriso. Segurando o material, reforçou: “E é isso aqui que nos protege 100%”.

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