
Eles se conheceram numa Sexta-feira Santa, no Morro do Calvário. Fazia um pouco de frio naquela manhã e ele estava descendo quando teve a atenção voltada para aquela moça de cabelos claros e esvoaçantes, ao lado esquerdo da gruta, no início da subida. Por um impulso, que não era normal em sua personalidade tímida, parou próximo a ela, fez de conta que estava rezando e foi se aproximando. Ela estava sentada em um pequeno muro de pedras, usava um vestido leve e parecia sentir frio, pois estava de braços cruzados, como se procurasse se aquecer.
A pretexto de descansar, sentou-se ao lado dela e puxou conversa. Descobriu que ela era gaúcha e seus pais estavam visitando familiares por aqui. A conversa evoluiu, ele acabou acompanhando-a até o Centro e combinaram se encontrar no fim da tarde, no Amigo John, o point da época, ao lado da Praça Suplicy. A simpatia que sentiram um pelo outro foi reforçada por muitas afinidades, gostavam de dançar, cinema e música brasileira. Naquela noite, ao deixá-la na casa dos tios, a despedida foi com um leve beijo, um inocente selinho que serviu para fazer com que perdesse o sono.
Corria o ano de 1981, no domingo a moça voltou para Passo Fundo e iniciava-se ali uma longa troca de cartas entre o casal. Eram duas, três correspondências por semana. Ele esperava ansiosamente pelo carteiro, todas as manhãs, e cuidava de responder assim que lia as missivas. Passaram a se tratar como namorados, a intimidade foi crescendo mesmo com a distância. Ele passou a viajar ao Rio Grande com relativa frequência e a paixão cresceu. Como ela estava iniciando a faculdade em sua cidade natal, o relacionamento foi afetado. Ela queria concluir a faculdade de Medicina antes de qualquer compromisso mais sério. Enquanto isso, ele ficava arquitetando planos, pensando em trazê-la para Beltrão.
Ela passou a se dedicar integralmente ao curso. As cartas foram rareando, era evidente que a paixão ia esfriando. Até que um dia ele recebeu uma longa carta terminando tudo. Ela justificava que depois de concluir o curso queria fazer especialização em Porto Alegre e que isso inviabilizava o relacionamento. Ele releu a carta muitas vezes, pensou numa resposta agressiva, cobrando explicações. Optou por mandar uma curta mensagem em que expôs toda a sua decepção.
Foi pensando em todas essas lembranças que ele voltou ontem ao Morro do Calvário, 41 anos depois. Não conseguiu fazer oração nenhuma, subiu e desceu imaginando como teria sido sua vida se ela tivesse aceitado ser a sua mulher. Aquela moça magra, de cabelos esvoaçantes, que ele nunca mais viu e da qual não quis mais saber notícias.