Aconteceu há muitos anos, possivelmente mais de vinte, mas recordo bem a cena. Era o final do velório, já estávamos no cemitério, naquele momento em que o caixão é depositado no túmulo. Um instante difícil, em que o silêncio se impõe, entrecortado pelo choro de algum familiar. Foi quando começou um burburinho, algumas pessoas cochichando, os filhos se movimentaram, um deles, mais agitado, resmungou num tom ameaçador e olhou para um determinado ponto, um pouco afastado.
Foi então que a vi, uma mulher vistosa, de óculos escuros, presumíveis quarenta anos, meio se escondendo entre os túmulos. Era evidente que sua presença não era benquista naquele momento. Não foi difícil imaginar que a moça tinha alguma ligação com o falecido, bem mais velho do que ela. A situação foi rapidamente abafada, a mulher acabou se afastando discretamente e o sepultamento foi concluído.
É evidente que não havia clima para perguntar quem era a mulher misteriosa que quase provocou uma confusão, mas saí dali imaginando o drama que ela viveu. O cidadão havia morrido de forma inesperada, devido a um problema cardíaco. Os dois não tiveram tempo de se despedir. Ela não teve coragem de ir ao velório, mas deve ter achado que no cemitério, já no final da cerimônia de despedida, não seria notada. Mesmo assim, não conseguiu evitar uma situação constrangedora. A família, com toda a razão, sentiu-se ofendida e considerou uma desfaçatez a presença da amante naquela hora.
Assim como ele não pôde se despedir, ela, surpreendida pela sua morte inesperada, julgou que tinha o direito de lhe dar um último adeus. Em situações como essa, fica evidente o quanto um amor clandestino tem suas limitações e perde qualquer aura de romantismo. Há filmes emocionantes sobre o tema, em que só no leito de morte aparece a revelação de um amor mantido em segredo por muitos anos. Tal situação gera sofrimento e dor, numa amplitude que não combina com as alegrias vividas clandestinamente.
Nada óbvio
Há sinais de que a sucessão municipal tem tudo para se transformar num jogo de xadrez. O que parecia óbvio deixa de ser, o imponderável terá o seu papel e podem despontar personagens novos no processo. Faltando um ano para a escolha do futuro prefeito, o cenário mostra-se imprevisível.