
No Rio Grande do Sul, o jovem Pedro resgata a trajetória do pai, Henrique, um professor de escola pública, negro, morto gratuitamente numa abordagem policial. Carioca de nascimento, radicado no Sul, desde pequeno aprendeu a conviver com o racismo num Estado em que o número de brancos é proporcionalmente maior em comparação ao Rio de Janeiro.
Num dos primeiros relacionamentos, em que namorou uma moça branca, convivia amistosamente com a família da garota. Mesmo que os tios dela o chamassem “carinhosamente” de negão e que fizessem piadinhas sobre negros, Henrique considerava isso sinal de intimidade e de aceitação.
As coisas mudaram quando ele decidiu se preparar para prestar vestibular e adquiriu, através de um professor, conhecimento e consciência sobre negritude. A partir de então, quando percebeu que ser negro era algo grave para a sociedade, não aceitou mais as piadas e apelidos relacionados à cor da pele. E perdeu a namorada.
Pela primeira vez, Henrique começou a questionar por que tantas vezes a polícia o abordou na rua. Como, por exemplo, quando estava no ônibus e o policial mandou que descesse para ser revistado, enquanto um passageiro branco que estava ao lado não precisou descer. As abordagens vinham acompanhadas dos mesmos questionamentos: se era usuário de drogas, o que estava fazendo, de onde e para onde iria.
Minhas impressões e questão da censura
Meu exemplar de “O avesso da pele” foi adquirido ainda no primeiro semestre de 2023, na leva de uns 30 livros que comprei. No entanto, só acabei retirando-o da estante em março de 2024, justamente no período de grande repercussão, motivada pela censura em alguns estados.
Publicada em 2020, a obra venceu no ano seguinte o Prêmio Jabuti – o mais importante da literatura nacional. Além disso, foi aprovada ainda em 2022 para compor o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), e, consequentemente, ser distribuída às instituições de ensino.
Com a chegada dos livros para os estudantes do Ensino Médio, quatro retaliações repercutiram e, de certa forma, despertaram o interesse pelo romance até de quem não costuma ler literatura. Primeiro, uma diretora de colégio do interior do Rio Grande do Sul recomendou a retirada da obra, por considerar a linguagem inadequada para os alunos. O governo do estado gaúcho não acatou a sugestão.
Mas em Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná, “O avesso da pele” foi recolhido. No primeiro e no terceiro estados, as secretarias de educação disseram que irão avaliar se o livro deve ou não ser distribuído ao público escolar. No MS, o argumento foi que a obra contém “expressões impróprias” para o público jovem.
“O avesso da pele” trata de temas sensíveis: racismo e violência policial – questões que ainda há quem tente negar a existência e minimize a necessidade de combatê-las -, além de educação defasada.
Mas, como disse recentemente um amigo: não existe marketing negativo. Doravante, a ação reacionária dos governos tornou “O avesso da pele” o livro de ficção mais requisitado da Amazon: no início de março, as vendas cresceram 1400%. O público passou a querer saber o que de tão grave há na história de Pedro e Henrique que motivou tanta irritação da “intelligentsia”.
Sabe-se que o Brasil é um país de poucos leitores. Sendo assim, a preocupação de quem gere a educação pública deveria ser despertar o interesse dos estudantes pela literatura e não do contrário. Afinal de contas, histórias recheadas de palavrões – reproduzindo a linguagem coloquial, ou seja, do dia a dia, ou com abordagem sexual não são uma novidade – aí estão Jorge Amado e Rachel de Queiroz.

Referências
- Título: O avesso da pele;
- Gênero: Romance;
- Autor: Jeferson Tenório;
- Número de páginas: 189;
- Editora: Companhia das Letras;
- Ano de lançamento: 2020.