Egídio Zanatta foi o primeiro oficial de justiça de Francisco Beltrão e também o que trabalhou mais tempo nessa função, desde a instalação da Comarca, em 1954, até praticamente o fim de sua vida (16-3-1926 a 11-4-2021). Nesta entrevista inédita para o Jornal de Beltrão, em 2011, ele conta uma de suas muitas histórias.

JdeB – Nesse tempo todo (1954 a 2011), qual foi a intimação mais difícil que o senhor fez?
Egídio – Bom, eu graças a Deus nunca tive um problema. Teve assim alguns problemas mais ou menos sério, mas sempre tratei de respeitar, tratar bem as pessoas seja lá quem for. Mas às vezes a gente tinha que dar uma xingada nos caras. Mas eu tive dois, três problemas que eu tava vendo que a coisa ia pegar. Uma foi a ocasião que eu fui fazer de um trator, no município de Santa Izabel e eu tinha que entrar numa estrada de um morador que era do município de Salto do Lontra, que era lá na fazenda do tal de Hugo Bergol, fazenda grande que tinha lá do rio Gadion pra adiante assim, lá pra costa do Jaracatiá. Daí nós fomos. Veio um advogado de Porto Alegre, o dono da empresa que pediu a busca do trator, mais um outro cara junto, não sei o que que era, e dois motoristas de uma Rural, e foi um caminhão pra carregar o trator. Bom, nós chagamos lá, “o trator tá lá na fazenda do Bergol, assim, tá carregando tora nos caminhão. Aí nós fomos pra lá. Aquilo era tudo mato, não tinha estrada pra sair a não ser aquela que saía na estrada que ia pra Santa Izabel. Fomos lá, pegamos o trator, daí até um motorista lá faltava pra completar a carga dum caminhão carregar duas toras, “então vocês me dão licença, dá pra nós carregar essas duas toras, porque senão…” “Ta, carregam aí as duas toras e pronto!.” No atravessar o rio Jaracatiá, tinha os caras que tiravam tora lá que era o dono da serraria, uma de Foz do Iguaçu, mas era em Realeza a serraria. Eles fizeram uma ponte provisória em cima do rio, e era mato de um lado, mato pro outro, não tinha… Daí nós deixamos os caras carregar, fomos deixar o caminhão ali pra frente, e nós fomos, o trator com a Rural atrás. Quando chegamos naquela ponte, o caminhão carregado com as toras parado em cima da ponte, capô aberto, não tinha ninguém lá, e agora? O cara fez de propósito, né. Daí aquele advogado de Porto Alegre, Rosembelt, parece que era o nome do dono do trator, “agora como que?” “Não, já resolvemos, diz pro motorista do trator vir aqui, encosta a lâmina do trator aqui atrás, o motorista vai na frente, na boleia do caminhão, tira o caminhão”, porque era uma rampinha assim pra subir, “ponha o caminhão lá em cima, e você abre um limpadinho pra nós passar com os carros. Tá, feito isso, passamos e coisa, não apareceu ninguém. Aí tinha uma subida assim, meio forte, quando chegamos lá em cima, uma porção de jipe trancando a estrada, 14 caboclos lá da firma. Veio um tal de Ivo Schimit, com a pastinha no braço. “Quem é que é oficial de justiça aí?” “Sou eu”. “Precisa da Rural? O senhor vai levar o trator lá onde o senhor pegou?” “Nada disso, não vou levar o trator, eu vou levar pra Beltrão!” “Não senhor! O senhor vai levar pra lá que aqui não passa ninguém!” “Eu saio daqui, sim!”. E aí teimou e coisa “porque o senhor tá armado mas eu também tenho arma”, dentro daquela pasta, e mostrou o revólver. Nossa, aqueles caras de Porto Alegre ficaram apavorados! Daí eu fui lá e disse lá pros caras da caminhonete “olha, vocês ficam aí, que eu vou sair a pé”. Depois dois quilômetros tinha a estrada geral que ia pra Santa Izabel, eu precisava de um carro, alguma coisa, e era perto da noite. Me alcançam eu pego uma carona e vou buscar a polícia lá em Santa Izabel. Dalí a pouco aparece um jipe que ia pra Santa Izabel, mandei parar, ele parou, porque naqueles tempos eles paravam, né. Ele parou. “Eu preciso ir a Santa Izabel, você me dá uma carona?” “Tá, tá embarca aí.” Cheguei lá em Santa Izabel, eu conhecia o delegado, vi ele num bar assim, “Oh, Zanatta!”. Essa hora já era noite, escurinho assim, “o que que você tá fazendo aí?” “To procurando você! Preciso de uns policiais.” Daí contei a história “Então vamos lá!” Fomos com a caminhonete da polícia. Chegamos lá, eles abriram, tiraram os jipes de dentro da estrada, deixaram aberto, só que logo embaixo tava a Rural, não tinha ninguém na Rural. E agora? Dalí a pouco veio um colono e disse: “O senhor que é oficial? Os seus companheiros estão numa casa ali, logo pra baixo, tão na casa do colono lá embaixo, eles não ficaram aqui porque os caras queriam bater neles!” “Tá, então faz um favor, vai lá e fala que eu tô aqui com a polícia, o cara já tá preso”. Chegamos lá, o tal do Ivo tirou o jipe dele assim, tava ele lá, braço cruzado, perna em cima do pára-choque, descemos do carro, eu disse assim,: “É esse aí, pode enfiar ele lá dentro do carro, dentro da caminhonete da polícia. “Ah, mas o que que é isso”, e coisa. “Por que tu não pensou antes no que tu ia fazer? Pode…” Peguei o nome de todos eles que estavam lá, uns não quiseram dar a revista, um policial deu-lhe uma coronhada, acertou na testa, foi sangue! (risos). Daí nós saímos com ele, levamos o caminhão lá na estrada grande, demos um jeito de carregar e fomos embora, chegamos aqui a uma hora da madrugada. Aí fomos ali no Lisbor, que tinha um bar em cima, um hotel, digo: “Eu queria falar com o Gil Trota Telles”, porque ele morava bem aqui em cima, ele morava e trabalhava praticamente ali também. Ah! E cheguei lá no Lisbor e tava o (falecido) Irineu Ruaro: “Ah, o que que aconteceu?” Contei a história. “Preciso ir lá falar com o juiz.” “Então embarca aí que vou lá te levar.” Quando chegamos na frente eu parei assim, o Trota Telles tava fechando a veneziana pra ir dormir, daí: “Oh, doutor.” “Oque que houve?” Daí eu contei a história pra ele, depois eu me arrependi de não levar a polícia junto, eu desconfiei que alguma coisa poderia acontecer. E aconteceu isso e coisa, o cara tava ali preso, o que que eu vou fazer? A cadeia era ali em cima. “Deixa lá fechado e amanhã se der um tempo vai lá registrar queixa na polícia, não deixa que ele fique lá!” No dia seguinte fui lá, mas o Ruaro falou “ah, vamos deixar fechado porque não aconteceu nada de grave”. E ele ficou uns três dias preso e depois foi embora. Chorava que nem um condenado, ele falava: “E a minha família em Porto Alegre, eu com uns presente que eu ia levar pros meus filhos, e agora tô aqui!, você devia pensar antes, né!”
JdeB – Uma história comprida. Só uma pergunta pra encerar seu Egídio. O senhor sempre usou arma como oficial de justiça?
Egídio – Primeiros anos sim, quando saía no interior aí… porque às vezes a gente tinha que se cuidar, né.
JdeB – Chegou a usar arma alguma vez?
Egídio – Não, quer dizer, não cheguei a usar, mas andei preparado. A cavalo no quilômetro 26, cheguei num bandido que tinha matado um soldado aqui na Altaneira, e depois mudaram pra lá e eu cheguei lá, pra intimar ele pro dia seguinte no fórum, o fórum era aqui na prefeitura velha. Na prefeitura aqui em baixo.