Não tinha tempo para si, descuidou da aparência, a beleza aos poucos foi se esvaindo sob uma máscara de resignação e sofrimento.
Lá estão eles, quase dois estranhos dentro de casa. Pouco se falam, e as poucas palavras que trocam têm uma alta carga de contrariedade e tantas vezes há um tom agressivo na voz. Não há como definir o que eles são hoje. Marido e mulher, definitivamente não são. Há muito acabou a intimidade, dormem em quartos separados, carinho já faz tempo que não existe.
Comportam-se como se estivesse cada um carregando uma cruz, tentando se suportar mutuamente, o que parece cada vez mais difícil. Mal conseguem se encarar; quando os olhares se cruzam rapidamente, ambos tentam desviar de imediato e ainda assim não há como esconder um surdo ressentimento.
Ela já nem repete as acusações de que o marido é o responsável pela vida que hoje levam. Quase menina, deixou a casa da família para se casar com ele. Era a esperança de uma vida nova, longe do jugo do pai que não a deixava estudar e cortava pela raiz todos os seus sonhos. E ela tinha muitos, queria fazer faculdade, construir carreira e conhecer tudo o que não conseguira até então. Logo depois do casamento, percebeu que não seria tão fácil. Descobriu um lado obscuro no homem que a levara ao altar.
Ele bebia de forma descontrolada e, embriagado, tornava-se agressivo, muitas vezes ameaçou agredi-la. Bem mais jovem que ele, era vítima de um ciúme doentio que a impedia de quase tudo. Logo vieram os filhos, um atrás do outro. E a vida foi se tornando cada vez mais distante do que ela tinha sonhado.
Passou a dedicar às crianças todo o afeto e dedicação de que era capaz. Não tinha tempo para si, descuidou da aparência, a beleza aos poucos foi se esvaindo sob uma máscara de resignação e sofrimento. Foi se afastando cada vez mais do marido, que hoje é um homem doente, frágil e completamente fora da realidade.
Os filhos estão cuidando de suas vidas, cada um tomou seu rumo e hoje os dois se transformaram em dois solitários dentro de uma mesma casa. Um lugar triste, onde não há mais sonho nem esperança.