É inevitável refletir sobre o quanto da nossa própria humanidade poderá ser sacrificada por causa dessa dependência por uma inteligência artificial.
Com a recente atualização da inteligência artificial da OpenAI, que ficou conhecida por nos apresentar o ChatGPT – muito usado por todos, para sermos francos –, causou um grande alvoroço nas redes sociais, com centenas de milhares de pessoas utilizando o estilo do traço do renomado animador e cineasta japonês Hayao Miyazaki.
Miyazaki é um dos fundadores do Studio Ghibli, um estúdio de animação japonês que produziu 24 filmes, recebeu oito indicações ao Oscar e conquistou a estatueta por A Viagem de Chihiro (2001) e O Menino e a Garça (2023). É natural que você desconheça quem é Miyazaki, mas certamente está familiarizado com o comando: “crie uma versão desta foto com o estilo Studio Ghibli”, feito ao ChatGPT. A trend – como o pessoal costuma chamar hoje em dia – ficou famosa justamente pela evolução do ChatGPT em transformar uma foto sua em uma fidedigna obra de Miyazaki.
Não faz muito tempo, a IA era incapaz de criar imagens fiéis ao que solicitávamos. Era um mero borrão da realidade, e até mesmo brincávamos com isso. Ela sempre replicava mãos com 15 dedos, sorrisos estranhos, olhos não naturais. Bastava uma leve olhada na imagem e tínhamos certeza de que não era real. Hoje, no entanto, a IA se aperfeiçoou. E isso, de certa forma, nos assusta.
Com a onda de Studio Ghibli nas redes sociais, as pessoas ficaram divididas. Parte achou extraordinário o fato de poder se ver em um mundo de anime. A outra parte achou a ideia praticamente hedionda, um desrespeito a Hayao Miyazaki, já que ele próprio disse, ao ver uma imagem criada por IA em 2016, que era um “insulto à própria vida”. Eu consigo compreender os dois lados – tanto os que, inocentemente, gostaram de se ver nos traços de Hayao Miyazaki, quanto os que, genuinamente, acharam ofensivo replicar a obra de um artista. No entanto, minha preocupação está além das brigas por direitos autorais e das discussões sobre a moralidade de utilizar a arte alheia – muitos que brigam hoje, a favor e contra o uso da IA, sequer viram qualquer coisa feita por Miyazaki. Minha sincera preocupação está na nossa arte no futuro. Com qual estímulo uma pessoa dedicará décadas de sua vida hoje para se tornar um artista de excelência, se uma IA consegue replicar “artes” instantâneas – e até mais baratas?
É ilusão pensar que podemos desligar as máquinas e voltar a ser mais humanos, porque, hoje, eu creio que já podemos nos considerar dependentes da inteligência artificial. Já faz parte do nosso dia a dia, e precisamos aprender a lidar com ela. Mas uma IA não tem alma, não tem sentimentos. É apenas cálculo e código, incapaz de sentir dor, felicidade, euforia, medo, solidão e então traduzir todas essas sensações conflitantes para uma tela como fez Vincent Willem van Gogh em A Noite Estrelada. É inevitável refletir sobre o quanto da nossa própria humanidade poderá ser sacrificada por causa dessa dependência por uma inteligência artificial.