Uma pequena cidadezinha enfiada no interior do país ganha notoriedade quando um dos seus filhos torna-se um dos heróis brasileiros na Segunda Guerra Mundial. Reza a lenda que Cabo Jorge teria enfrentado com bravura desmedida as tropas nazifascistas. Morto pelo inimigo, encorajou todo o exército nacional num contra-ataque que resultura na vitória dos aliados.
Em 1955, terminada a guerra, a terra-natal do corajoso pracinha trocou de nome: “Cabo Jorge”. O local a figura que lhe dá nome ganharam importância em todo o Brasil. A reverência é tanta que a trajetória de Jorge será contada no cinema.
Enquanto isso, os poderosos da cidade – comerciantes e políticos – exploram o mito e tornam-se ainda mais ricos e influentes. Tudo vai bem até que Cabo Jorge, o próprio, ressurge vivo. Conta que, em vez de se arriscar como nenhum outro para enfrentar as tropas adversárias, fugiu do front.
O retorno é de conhecimento apenas de quem depende do lucro trazido pela mentirada: o prefeito, o comerciante que vende “pertences pessoais” do Cabo a preço de ouro, o coronel manda-chuva da região e até a víuva do desertor. Para estes, a volta de Jorge significa uma ameaça.
Acima, apresentei-vos o mote de “O berço do herói”, peça de teatro escrita por Dias Gomes em 1963 que, devido ao imenso sucesso, foi publicada em livro. Para quem já leu “O bem-amado” ou “O pagador de promessas”, obras do mesmo gênero e autor, vale a oportunidade de se divertir com mais uma história cômica repleta de crítica política e de comportamento.
Roque Santeiro
“O Berço de herói” serviu de base para Dias Gomes construir a novela “Roque Santeiro”. Em 1975, quando aproximadamente 20 capítulos já estavam gravados, o governo militar proibiu a exibição da produção a um dia da estreia. A razão para tal decisão drástica foi um grampo feito num telefonema do autor, em que confessa ter se inspirado na peça teatral, banida pela ditadura.
Dez anos depois, a novela foi regravada e enfim pôde ir ao ar. O elenco original foi convidado a seguir com os respectivos papéis, mas apenas Lima Duarte, entre os protagonistas, continuou como Sinhozinho Malta. José Wilker substituiu Francisco Cuoco como Roque, enquanto o papel de Viúva Porcina, entregue anteriormente a Betty Faria, ficou com Regina Duarte. A produção é, até hoje, um dos maiores sucessos – senão o maior – do gênero.
Para quem assistiu “Roque Santeiro”, vale a leitura da peça para entender o que o escritor manteve e o que alterou na estrutura da trama. Em vez de um desertor do exército, na TV a história gira em torno de um homem que teria se arriscado para salvar a igreja da cidade das mãos de bandidos.
Passados os anos, com a colaboração de uma mentira aqui, outra acolá, a figura de Luiz Roque Duarte torna-se enigmática: pipocam milagres e quem de fato ajudou a saquear o lugarejo passa a ser considerado um milagreiro. Major Chico Manga é Sinhozinho Malta; Antonieta é Porcina. O município chama-se Asa Branca, em vez de Cabo Jorge.
Referências
- Título: O berço do herói;
- Gênero: Teatro;
- Autor: Dias Gomes;
- Número de páginas: 154;
- Editora Bertrand;
- Ano de lançamento: 1963.
