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Francisco Beltrão
domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

O Mundo da Paz (Jorge Amado) – Meninos, eu li

“O Mundo da Paz” não chega a ser um “livro perdido”. Mas, há 70 anos não é mais editado por decisão de Jorge Amado. O volume foi escrito entre 1949 e 1950, durante o período em que, exilado do Brasil após ter o mandato como deputado federal pelo Partido Comunista cassado, se hospedou no Castelo de Dobris, na então Tchecoslováquia. 

Defensor da União Soviética, o baiano visitou a Rússia e outros países de regime socialista no leste europeu. Encantado com o que viu, escreveu “O Mundo da Paz” exaltando as boas particularidades que via, enquanto omitia o que o desagradava – e que, anos mais tarde, ele e a própria esposa, Zélia Gattai, relataram em seus livros de memórias. 

Quando lançado, em 1951, Jorge ainda seguia fora do Brasil. A primeira edição, publicada pelo Editorial Vitória – selo ligado ao Partido Comunista – chegou às livrarias do país e complicou ainda mais a situação do autor. 

Jorge, o filho João Jorge, e Zélia Gattai, durante o exílio, no Castelo de Dobris, Tchecoslováquia. Foto: Acervo/Fundação Casa de Jorge Amado

Por conta de “O Mundo da Paz”, foi indiciado na Lei de Segurança Nacional. O texto, a bem da verdade, a todo o instante faz um confronto entre o mundo comunista – como o sistema mais justo para a humanidade – e o capitalista – exposto como um modelo maléfico, na contramão da “busca pela paz”. Destaco aqui que, no período, o planeta vivia à mercê da Guerra Fria. 

Jorge retornou ao Brasil em 1952. O processo por conta da obra foi arquivado. O juiz que o julgou classificou o volume como “sectário”, eximindo-o da acusação de subversivo. 

Mas não foi essa a razão para que “O Mundo da Paz” deixasse de ser publicado. Após quatro edições, em 1953, o próprio Jorge Amado proibiu novas tiragens. Em “Navegação de cabotagem” ele explica que a decisão se deu por considerar este trabalho de qualidade ruim. Três anos depois, já afastado das atividades do partido, Jorge rompeu com a União Soviética, ao tomar conhecimento dos crimes de Stálin, expostos por Nikita Kruschev.

Em 2001, Jorge faleceu. Antes, deixou claro, inclusive em suas obras autobiográficas, que não gostaria que, após a sua morte, fossem publicados romances inacabados e tomadas decisões contrárias às que teve em vida. Seguindo esta orientação, os filhos dele, João Jorge e Paloma, responsáveis por gerir o legado literário do pai, o seguem à risca. “O Mundo da Paz” deve continuar inacessível pelas décadas seguintes.

De como consegui um “Mundo da Paz”

Fascinado pelo trabalho de Jorge, nunca imaginei que fosse conseguir ler, muito menos ter, um exemplar de “O Mundo da Paz”. Em meados de agosto de 2021, o perfil no Instagram da “Casa do Rio Vermelho” – memorial em homenagem a ele e Zélia Gattai, no local onde viveram por mais de 40 anos em Salvador – compartilhou nos “stories” um anúncio de uma livraria de Portugal. O sebo estava comercializando um exemplar muito-bem cuidado por um valor que, com o frete para o Brasil, totalizava R$ 125. 

Comprei. Recebi um volume intacto. Sim, intacto: as páginas estavam “fechadas”. Explico: antigamente, como forma de comprovar que um livro era novo, ele saía da gráfica com pares de páginas unidos. Para poder folheá-las, era necessário uma espátula ou estilete para abri-las. A sensação, passados dois anos, é de ser um privilegiado. Tenho “O Mundo da Paz”. 

Pela primeira e talvez única vez, a “Meninos, eu li” aborda um livro que vocês dificilmente poderão ler. Para compensar, transcrevi abaixo a nota explica de Jorge, que abre o livro:

 


“Passei o inverno de 1948-1949 na União Soviética, a convite da União de Escritores Soviéticos; visitei, nos últimos dois anos, vários países de democracia-popular; a Tchecoslováquia, a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária. Junto neste livro algumas observações feitas por mim no decurso dessas viagens. Não se trata nem de um livro de ensaios, nem de um estudo político, tão pouco de um volume de reportagens. São simples notas de viagens, despretensiosas.
Escrevi estas páginas pensando no meu povo brasileiro, sobre o qual uma imprensa reacionária e vendida ao imperialismo ianque vomita, quotidianamente, infâmias e calúnias sobre a URSS e as democracias populares. O povo brasileiro não deseja a guerra e luta contra os que a querem provocar. Escrevendo este livro, – anotações sobre a vida dos povos soviéticos e dos povos das democracias populares – pretendi colaborar para o restabelecimento da verdade e para mostrar como o trabalho construtivo da URSS e das democracias populares interessa ao mundo inteiro, é fator essencial na defesa da paz. 
Sentir-me-ei alegre se este meu livro for útil à luta do povo brasileiro contra o imperialismo ianque, pela sua libertação nacional e pela paz. Como uma contribuição à luta pela paz eu o escrevi e como homenagem de um escritor brasileiro ao camarada Stálin, no seu 70º aniversário, sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra. 
J. A. 
No Castelo da União dos Escritores Tchecoslovacos 
Dobris, dezembro de 1949 – janeiro de 1950. 


Referências

  • Título: O Mundo da Paz;
  • Gênero: Crônicas/Viagens;
  • Autor: Jorge Amado;
  • Número de páginas: 348;
  • Editora: Vitória;
  • Ano de lançamento: 1951.

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