Pesquisa da Unioeste sobre agrotóxicos expõe riscos à saúde e ganha destaque internacional.

Foto: Arquivo Pessoal
Por Niomar Pereira – A pesquisa coordenada pela professora Carolina Panis, do Laboratório de Biologia de Tumores da Unioeste Francisco Beltrão (LBT), tem chamado a atenção internacionalmente ao abordar os impactos da contaminação por agrotóxicos na população. O estudo ganhou destaque na conceituada revista The Lancet, que apresentou a relação entre a exposição humana a pesticidas e o aumento da incidência de vários tipos de câncer. No caso do câncer de mama, por exemplo, a pesquisa indica um risco aumentado da doença entre mulheres expostas a pesticidas em propriedades rurais.
Atualmente, a professora Carolina está em Boston, no Departamento de Saúde Global da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, dando continuidade ao seu trabalho. “Essa pesquisa que estou desenvolvendo aqui é uma continuidade do estudo que iniciei em 2019 e 2020, quando estive nos Estados Unidos pela primeira vez.”
Segundo ela, na primeira fase da pesquisa foi avaliado o perfil de contaminação da água no estado do Paraná por agrotóxicos e os riscos para o desenvolvimento de câncer na população. “Identificamos mais de 500 casos potencialmente associados à contaminação da água por agrotóxicos. Depois, ao retornar ao Brasil, continuei analisando relatórios, baseando-me nos dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Siságua), do Ministério da Saúde, que monitora a contaminação da água no Brasil.”
Com a ampliação da base de dados, Carolina decidiu aprofundar a investigação. “Agora, nesta nova etapa, estamos analisando uma série histórica de uma década, abrangendo todos os estados brasileiros. O estudo envolve dados de contaminação por diversos agrotóxicos, sendo que 11 dessas substâncias possuem classificação quanto ao seu potencial carcinogênico. Assim, o universo populacional analisado agora corresponde a 220 milhões de pessoas, considerando uma década completa de dados”, detalha.
Resultados preliminares
De acordo com a professora Carolina Panis, os resultados preliminares demonstram que a contaminação está disseminada em todos os estados do país. “O perfil de contaminação por agrotóxicos é algo disseminado em todo o Brasil. Observamos que os estados que comercializam mais agrotóxicos possuem, de fato, mais dados sobre contaminação. No entanto, percebemos que alguns estados, principalmente da região Norte, apresentam uma grande falta de informação, o que pode indicar falhas no sistema de monitoramento.”
A pesquisa também identificou que os agrotóxicos mais frequentes na contaminação são aqueles mais comercializados atualmente, além de substâncias proibidas desde a década de 1980, mas que ainda persistem no meio ambiente. “Esses poluentes orgânicos persistentes são um legado histórico do uso intensivo dessas substâncias há quase 50 anos e continuam aparecendo como contaminantes da água.”
Outro ponto importante levantado na nova fase da pesquisa é a relação entre contaminação e casos de câncer no Brasil. “Ainda estamos calculando os dados, mas é provável que cheguemos a um número expressivo de casos de câncer associados à contaminação ambiental.” O estudo tem como objetivo estimar os riscos e informar a população sobre os impactos desses contaminantes.
Novas pesquisas
Com o avanço da pesquisa, a equipe ampliou sua atuação para outros tipos de contaminações ambientais. Através de uma parceria com pesquisadores de Havard, um dos novos focos de estudo são os desastres ambientais de grande porte, como os rompimentos de barragens em Minas Gerais. “Agora, temos um novo foco no laboratório, que são os grandes desastres ambientais. Com a chegada de um equipamento adquirido pela Itaipu Binacional, conseguimos analisar micropoluentes e outras substâncias tóxicas. Esse equipamento tem tecnologia de ponta e nos permite realizar análises com o mesmo nível de qualidade de qualquer outro país do mundo.”
A parceria com instituições internacionais também se fortaleceu. “Estamos colaborando com o mesmo grupo de pesquisa aqui nos Estados Unidos para avaliar perfis de contaminação em grandes desastres ambientais. Nosso foco atual inclui os acidentes de Mariana e Brumadinho, bem como contaminações por resíduos de petróleo e outros poluentes orgânicos”, detalha Carolina.
Apesar da ampliação do escopo do estudo, a professora reforça que o Paraná continua sendo uma prioridade. “Em breve, estudaremos alguns acidentes ambientais ocorridos no Paraná. Assim que tivermos mais dados, poderemos divulgar informações específicas sobre números, cidades afetadas e tipos de câncer relacionados”, finaliza.
A previsão é que os resultados completos do estudo sejam divulgados até o final do ano, fornecendo subsídios para a criação de políticas públicas e medidas preventivas que minimizem os impactos da contaminação ambiental na saúde da população.
Pesquisa repercute na The Lancet Oncology
JdeB – O estudo liderado pela professora Carolina Panis tem alcançado repercussão global e gerado debates sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde pública. A pesquisa, que demonstrou a relação direta entre a exposição a pesticidas e o câncer de mama, chamou a atenção da renomada revista The Lancet Oncology, que publicou um editorial destacando os resultados.
De acordo com Carolina Panis, a visibilidade do estudo aumentou após uma publicação feita em parceria com instituições dos Estados Unidos, como Harvard e a Universidade do Arizona. “Esse estudo ganhou uma proporção muito grande porque é um dos primeiros a demonstrar e comprovar que a exposição a agrotóxicos causa câncer. Nós conseguimos dosar agrotóxicos na urina, avaliar o perfil do câncer de mama e mostrar que agricultoras expostas têm maior risco de desenvolver metástases e, consequentemente, maior taxa de óbito”, explica a pesquisadora.
O impacto do trabalho levou à publicação do editorial na The Lancet Oncology, considerada uma das principais referências mundiais na área da oncologia. “Eles nos procuraram para saber mais sobre a pesquisa e os resultados. Para um grupo do interior do Paraná, ter um trabalho publicado nessa revista é um privilégio enorme. Isso coloca o sudoeste do Paraná no mapa da ciência de ponta.”
A repercussão também tem rendido convites para apresentar os dados em eventos internacionais. Em dezembro, a pesquisadora esteve no Texas para o maior congresso mundial sobre câncer de mama, onde o estudo da Unioeste foi premiado entre os melhores do evento, que contou com a participação de 10 mil especialistas de diversos países.
“A visibilidade do nosso trabalho abre portas para colaborações nacionais e internacionais, atrai investimentos para a pesquisa e, principalmente, dá voz às agricultoras que são diretamente impactadas pela exposição a agrotóxicos.” Segundo ela, um dos objetivos do estudo é provocar discussões sobre políticas públicas de saúde e revisar normas sobre os níveis seguros de agrotóxicos na água. “Precisamos levar essa questão para os espaços de decisão, como o Ministério Público e o Congresso Nacional, para garantir que a população tenha acesso à água potável e segurança no consumo”, reforça.