7.8 C
Francisco Beltrão
quarta-feira, 11 de junho de 2025

Edição 8.223

11/06/2025

HISTÓRIAS DA BAHIA

Meu encontro com Paloma Jorge Amado

A Casa do Rio Vermelho, onde Jorge Amado viveu entre 1963 e 2001. Foto: Juliam Nazaré.

Dia desses, meu colega de JdeB Luciano Trevisan me enviou no Instagram o trecho de uma entrevista de Paloma Amado, a filha de Jorge Amado, no podcast “BahiaCast”. Apesar de saber do meu interesse por tudo que se refere ao escritor, a história deve ter lhe chamado muito a atenção para que tivesse o esforço de interagir comigo nas redes sociais. E, na verdade, eu já havia assistido ao vídeo — que está gerando milhares de visualizações — naquele mesmo dia, enviado por minha amiga soteropolitana Vera Amaral. Trata-se de uma memória de viagem de Paloma com os pais pela Itália.

Pego este gancho para contar do dia em que estive pessoalmente com Paloma. Por volta de 2022, fiquei amigo virtual de Maria João Amado, neta de Jorge e Zélia, sobrinha de Paloma. Quando fui a Salvador, em agosto de 2023, estive com ela. Presentei-a com um kit completo para tereré e o romance “Quatro Gerações”, de Ivo Pegoraro, explicando das semelhanças entre este e o “Terras do sem-fim” — aquele, narra a colonização do Sudoeste do Paraná, enquanto este aborda a saga da civilização do cacau, na região de Ilhéus, Sul da Bahia. Temas parecidos e diferentes, ao mesmo tempo. A amizade com Maria João, virtualmente, resiste.

Maria João Amado com o “Quatro gerações”, romance histórico sobre o Sudoeste do Paraná, de Ivo Pegoraro. Foto: Kenia Tosi.

De Paloma eu já sabia um tanto: nascida na Tchecoslováquia, quando o casal Amado se autoexilou, após perseguições políticas, entre o fim da década de 1940 e início dos anos 1950. Já havia lido alguns de seus livros: “Bom domingo a todos”, “As frutas de Jorge Amado” e “A comida baiana de Jorge Amado”.

- Publicidade -

Quando resolvi voltar à Bahia, em maio de 2024, decidi tentar conhecê-la pessoalmente. Para minha imensa surpresa, Paloma me respondeu: “Será um prazer. Mande me dizer quando vem para marcarmos uma ida à Casa do Rio Vermelho” — a residência de seus pais por quase 40 anos, hoje, um memorial.

Cheguei à Bahia no dia 25, um sábado. Marcamos de nos ver na manhã de terça, 28, às 10h. Sai, com André Dopfer, meu amigo e colega de viagem, às 9h30. Estávamos em Ondina, bairro ao lado do Rio Vermelho. Como o plano era ir de bicicleta até o Largo de Santana — uma praça — e depois subir a ladeira a pé, o tempo era suficiente. Só não contávamos com imprevistos.

Na praça de Ondina não havia bicicleta do Itaú disponível. A uns cinco minutos andando havia outro posto, fomos até lá. Nada, também. Ir a pé até o Largo de Santana era arriscado, mas teimoso como sou, insisti. Incrivelmente e para meu desespero, lá também havia bicicleta alguma. Todas ocupadas. Insisti em voltar a pé para o posto anterior, na cartada final e, óbvio, quando chegamos, não havia nada. Já era 9h55.
Sem opção, chamei o Uber. Chegamos 10h05. Me identifiquei e disse que tinha um encontro com Paloma. “Ela já está aqui esperando”, anunciou a recepcionista.

Que alegria! Estar com alguém que você tanto admira e tanto representa para a cultura brasileira, é uma sensação de privilégio e realização. Super-acessível e simpática, Paloma nos convidou para subir para a Casa. Eu imaginava, com André, o seguinte: “Ela vai nos receber, conversar, autografar os livros, tirar fotos. Uns 15 minutos são suficientes”.

Paloma Amado e Juliam Nazaré nos banquinhos da antiga mangueira, Casa do Rio Vermelho. Foto: André Dopfer.

Para nossa surpresa, ficou conosco por mais de 2 horas — por espontânea vontade. Sentíamos que Paloma era espontânea conosco. Quando chegamos ao jardim da casa, que foi plantado pelo próprio Jorge — com jaqueiras, mangueiras, cajazeiras, sapotizeiros, etc — uma mulher com traços orientais andava por ali. Pensei, “é uma turista estrangeira”. Não era. Era brasileira, moradora de Curitiba, apesar do nome japonês incomum — do qual não me lembro. Paloma disse que se ela quisesse, poderia nos acompanhar para ouvir histórias da Casa. Se André e eu fomos felizes por ter este momento, essa dita estava no lugar certo, na hora certa.

Entre autógrafos e fotos, demos muitas risadas com os causos de Paloma. Algumas lembranças eu já conhecia dos livros de memórias de Zélia Gattai, sua mãe, mas outras, eram inéditas – e impublicáveis. Como de quando Jorge ficou insatisfeito com o tom dado numa das adaptações feitas para a TV/cinema a uma personagem de seus livros.

Na Casa do Rio Vermelho estão expostos os objetos pessoais do casal Amado, muitos adquiridos nas viagens feitas ao redor do mundo. Sobre um pato de cerâmica, à mostra na varanda coberta, Paloma nos contou a origem divertida. Não me recordo onde eles estavam, mas era véspera do aniversário de Jorge que, assim como seu compadre Pablo Neruda, era um acumulador compulsivo.


Eis que o baiano viu o pato de cerâmica numa vitrine e pegou fixação por ele. Mas Zélia o impediu de comprar: “Jorge, como é que você vai levar pra casa um pato deste tamanho, e ainda é muito pesado”. Foi o suficiente para que os dois ficassem sem se falar, apesar de ele parecer ter se conformado de que não era possível levá-lo para casa. Falsa impressão. Eles viajavam com um grupo de amigos. Jorge, emburrado, resolveu que não sairia. Aproveitou para ir, à surdina, na bendita loja e comprar o objeto almejado. Para sua decepção, o pato já havia sido vendido.

No dia seguinte, no aniversário do esposo, Zélia, a essa altura já se sentindo mal por ver Jorge triste e retraído, entregou a ele o presente: o pato! “Aaaah, então foi você?”, disse o escritor, indignado (risos). Essa peça, que carrega história tão simbólica, é uma das centenas expostas na Casa do Rio Vermelho.

Demos boas risadas. Já passava do meio-dia quando nos despedimos. Entreguei a ela um quilo de pinhão, que trouxe do Paraná, imaginando ser a única coisa do meu estado impossível de se encontrar na Bahia. Paloma me deu um livro de desenhos seus costurado à mão. Tenho o privilégio de ser dono de um dos 200 exemplares. Está guardado em minha biblioteca. Assim como as lembranças deste dia ficarão pra sempre em minha memória. Obrigado, Paloma!

Com Paloma Amado, São Salvador da Baía de todos-os-santos, maio de 2024. Foto: André Dopfer.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques