
Desde que passei a morar em Beltrão, há exatos 40 anos, me acostumei a conviver com as enchentes. Como repórter, acompanhei de perto aquela que é considerada a maior de todas, em 1983, aliás, foram duas quase da mesma proporção em poucos dias.
Em busca de solução para o problema, a sociedade se mobilizou. Recordo uma reunião na Câmara de Vereadores, alguns meses depois da enchente, ainda em 1983, quando lideranças da cidade tiveram um encontro com técnicos do DNOS, Departamento Nacional de Obras e Saneamento, órgão federal, hoje extinto. Os técnicos haviam feito um estudo e vieram apresentar o resultado. Era um projeto complexo e que incluía várias ações como a construção de um canal de desvio do Rio Marrecas acima da cidade, lagoas de contenção e represas na região onde hoje está a UTFPR.
Alguém questionou sobre os custos de uma obra de tamanha envergadura. Um dos técnicos respondeu que o valor passaria de um bilhão de reais. “Então sai mais barato mudar a cidade de lugar”, respondeu Guiomar Lopes, que era o prefeito da época, o que provocou o riso de todos os presentes. Em certo sentido, a solução é essa mesmo. Afastar a cidade o máximo possível das margens dos rios e transformar as áreas inundáveis em parques ambientais, a exemplo do que foi feito no Parque Alvorada. Ali vem a enxurrada, deixa tudo submerso, mas ao baixar a água, não ficam estragos além dos sinais de lama.
Desde aquela reunião se passaram quatro décadas e a cidade continuou crescendo. Contrariando o bom senso, centenas de edificações foram erguidas praticamente dentro do rio. É certo que algumas medidas foram adotadas. Muitas famílias foram realocadas, tiradas da beira do rio e instaladas em locais seguros. Outras intervenções foram feitas, principalmente a dragagem do Rio Marrecas, que talvez tenha amenizado, mas nunca foi a solução.
Agora está em andamento um projeto mais arrojado, com investimento superior a R$ 50 milhões, incluindo um túnel de quase um quilômetro e meio para escoamento da água das enchentes. A obra ainda não está concluída, mas desperta alguns questionamentos. Muita gente afirma que o túnel não funciona porque os alagamentos continuam acontecendo. Em episódios como o atual, em que a chuva atinge proporções muito acima da normalidade, fica a impressão de que seriam necessárias medidas complementares para resolver o problema. Mas é preciso reconhecer que, se não fosse o canal no leito do córrego Lonqueador e o túnel, por onde escoaram milhões de litros de água, a proporção da inundação teria sido incomparavelmente maior, talvez superando a de 1983.
A chuva desta semana atingiu níveis absurdos, especialmente em Flor da Serra do Sul, onde está a nascente do Marrecas e essa água veio para cá. Foi mais um teste para o sistema, que, convenhamos, ainda não funcionou adequadamente. Esperamos que, quando as obras estiverem concluídas, o túnel consiga absorver todo o excesso de água que a natureza nos manda de tempos em tempos.