Enquanto o racismo pauta o mundo – após os casos na Espanha contra o brasileiro Vini Jr. – a leitura de “Tenda dos Milagres” é sugestiva. Publicada em 1969, a obra ambientada em Salvador encena e destaca o protagonismo da cultura afro no Brasil em meio ao preconceito racial e religioso.
O romance inicia-se nos anos 1960, quando o estudioso norte-americano James Levenson chega à Bahia disposto a resgatar a trajetória de Pedro Archanjo, passados 25 anos da morte deste.
Para a surpresa do estrangeiro, pouco se sabe e tem registro da vida do personagem. Na contramão, em meio à atenção de fora do país, imprensa e autoridades locais se unem numa força-tarefa para trazer à tona e dar importância à trajetória de Archanjo.
Jorge Amado, então, nos leva aos anos 1920, época em que Pedro Archanjo viveu. Bedel (inspetor) da Faculdade de Medicina da Bahia, sem formação acadêmica, ele arregimenta admiradores por seu conhecimento popular a respeito do povo baiano, notadamente da cultura afro – da culinária aos rituais de candomblé. Pedro lida com a forte oposição de Nilo Argolo, professor da Faculdade, adepto e propagador de teorias que buscavam provar, cientificamente, a superioridade dos brancos sob as demais raças.
Autodidata, Archanjo publicou diversos livros sobre miscigenação. Entretanto, suas ideias ficaram ocultas por décadas, sendo resgatados à luz do público 25 após a morte do autor, por conta das pesquisas de Levenson, passando a ser considerado um intelectual importante pelos mesmos que, no passado, o relegaram ao ostracismo.
A Tenda dos Milagres
O título “Tenda dos Milagres” faz referência a uma trama secundária do romance – artifício utilizado pelo autor em algumas outras obras, como em “Jubiabá” (1937), quando o personagem-título não é o protagonista.
Neste caso, a tenda dos milagres é um estabelecimento do Pelourinho em que Lídio Corró, amigo de Pedro Archanjo, faz pinturas sob encomenda. Após ser beneficiário de um milagre, o indivíduo o procurava para que ele gravasse sobre a tela o feito “sobrenatural”.
Pedro Archanjo e Jorge Amado
“Quem é ateu e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem deus não cessam de brotar.” O trecho pertence à música “Milagres do povo”, escrita por Caetano Veloso em homenagem a Jorge Amado. O escritor, falecido em 2001, se declarava um materialista, ou seja, não professava nenhuma fé, embora frequentasse sessões de candomblé e, através dele, testemunhasse milagres. Pedro Archanjo, conforme o próprio Amado, é o personagem com qual ele mais se identificava, entre tantos que criou ao longo de quase 70 anos de carreira.
Referências

- Título: Tenda dos Milagres;
- Gênero: Romance;
- Autor: Jorge Amado;
- Número de páginas: 320;
- Editora: Companhia das Letras;
- Ano de lançamento: 1969.