Profissionais falam do difícil trabalho de separar as próprias angústias e oferecer a escuta mais confortável possível.

Os psicólogos e psicanalistas Érico Péres Oliveira e Bruno Péres Oliveira atendem desde o início da pandemia pacientes que já enfrentaram o coronavíus e profissionais da linha de frente. Nesse contexto, separar a dor do profissional da escuta da do paciente, tem se mostrado uma tarefa difícil e atípica, diante da grande escalada de casos e mortes pela doença assistidas na região.
“Podemos nos impactar com o número de contaminados e o número de óbitos que surgem nos boletins, mas escutar a descrição da rotina de quem se desdobra diariamente para salvar vidas em uma UTI de coronavírus certamente abala as estruturas de qualquer pessoa. Confesso que não é simples receber essas informações e não deixar transparecer na fala que aquele conteúdo é assustador”, aponta Érico, que também é membro da Escola de Estudos Psicanalíticos (EEP).
Nessa entrevista ao JdeB, os profissionais falam sobre as angústias comuns compartilhadas pelos pacientes e a forma como eles mesmo têm enfrentado essa batalha na linha de frente da saúde mental.
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JdeB – Vocês atendem/atenderam pessoas internadas/isoladas com Covid-19? Essas pessoas ficam mais longe de suas redes de apoio. Como é para vocês realizar atendimento neste momento de maior fragilidade do paciente?
Bruno: Nós atendemos pessoas que estiveram internadas e pessoas em isolamento domiciliar. Quando o diagnóstico chega, cada pessoa reage de uma maneira diferente. Porém, notamos um ponto que se assemelha na percepção de quem precisa enfrentar o coronavírus: medo. A apreensão acerca da piora dos sintomas e o receio de precisar de uma internação trazem como consequência o disparo da ansiedade.
Érico: Para nós, psicólogos, é inevitável oferecer uma escuta para este sofrimento sem esquecer que também experimentamos a mesma sensação de imprevisibilidade. Todos estamos mergulhados nesta batalha em que duelamos contra algo invisível, porém, no momento que estamos escutando o paciente, precisamos separar as nossas próprias angústias e oferecer a escuta mais confortável possível.
Vocês atendem/atenderam profissionais de saúde da linha de frente? De que forma isso impacta no atendimento prestado?
Érico: Atender profissionais que estão na linha de frente contra a Covid traz doses cavalares de realidade. Podemos nos impactar com o número de contaminados e o número de óbitos que surgem nos boletins, mas escutar a descrição da rotina de quem se desdobra diariamente para salvar vidas numa UTI de coronavírus certamente abala as estruturas de qualquer pessoa. Confesso que não é simples receber essas informações e não deixar transparecer na fala que aquele conteúdo é assustador. Todavia, mais uma vez, precisamos manter a escuta afiada para favorecer o equilíbrio da saúde mental deste essencial profissional da saúde.
Bruno: A demanda de profissionais da saúde cresceu muito. As pessoas que trabalham em locais como hospitais e outras instituições que tiveram aumento da demanda devido à pandemia estão com a saúde mental no limite, isso faz com que busquem ajuda. Outra área que foi bastante afetada neste sentido é a classe dos professores, desde aqueles que acompanham os pequenos como os universitários. Estes profissionais também sofreram uma mudança brusca em sua rotina e foram forçados a uma repentina adaptação que acarretou um abalo considerável na saúde mental. Ainda neste campo da educação temos crianças e adolescentes que também são vítimas do momento atual. Assim como os professores, os jovens também foram pegos de surpresa tendo que passar por uma adaptação com aulas e atividades de forma remota. As queixas se manifestam de várias formas: sentem falta dos amigos, dos professores, cansaço das telas. Os mais velhos com o vestibular e a cobrança que vem de todos os lados, principalmente da escola e dos pais.
Vocês, na profissão e no dia a dia, também precisam lidar com as incertezas e tudo que a Covid-19 desperta. Como tem sido trabalhar em meio a esse turbilhão de informações?
Bruno: O que traz alento no meio deste furacão é o nosso próprio tratamento. Já faz parte da nossa formação e da nossa rotina manter acompanhamento com outro analista mais experiente. É o que favorece para manter nossa escuta livre mesmo quando o paciente traz consigo um sofrimento que já experimentamos ou estamos vivenciando. Em tempos de coronavírus este acompanhamento se faz muito mais necessário.
Érico: Quando somamos o nosso próprio receio acerca do coronavírus ao fato de que a pandemia se tornou um assunto altamente recorrente na clínica, é urgente a necessidade de existir um espaço em que também possamos falar abertamente sobre o que estamos sentindo. Não seria possível atravessar a pandemia no exercício de psicólogo sem também ser escutado por outro profissional da área.