Responsável pela Clínica Covid do HRS, Edimara Solange Candido fala do trabalho na unidade e apela para que cuidados sejam mantidos

“As pessoas não fazem ideia do que vivemos naquele ambiente. O que se vê nos noticiários é a nossa realidade aqui”, diz a enfermeira Edimara Solange Candido, responsável pela Clínica Covid do Hospital Regional do Sudoeste. Os casos, contados por ela, se assemelham aos relatos de vários profissionais da linha de frente que, mesmo sobrecarregados, não desistem da luta contra o coronavírus.
Ela está na clínica desde o início dos atendimentos, em março de 2020. Por ser professora de estágio do Curso Técnico de Enfermagem no Colégio Estadual Reinaldo Sass, optou por permanecer no espaço pelos conhecimentos que lhe proporcionariam e a capacitação para lidar com a doença nova. Além disso, se encontrou mais sensível em um ambiente onde vidas se apresentam tão efêmeras.
“Em muitos, mas muitos momentos eu sofri, eu chorei e só podia contar com minhas amigas. Como todas são enfermeiras e temos uma professora que nos acompanha desde então, ficava mais fácil o desabafo, porque elas me entendiam. Ainda hoje alguns fatores me incomodam muito”, conta Edimar.
Ela nunca sonhou em ser enfermeira. De família simples, filha de uma faxineira que trabalhava na Prefeitura de Beltrão, ela conseguiu um dos seus primeiros empregos na residência de uma funcionária, onde chegou para ordenar a casa. Mas o incentivo dali a fez ordenar a própria vida, prestando concurso para agente de saúde, ainda no ano de 1990. Até então ela não tinha o Ensino Médio completo, mas, vencendo um a um os obstáculos, chegou ao curso de auxiliar de Enfermagem e, em 2002, à faculdade de Enfermagem.
Contornando as dívidas pagando um mês a faculdade e no outro as contas, ela se manteve na faculdade até obter o FIES e se formar.
No HRS, Edimara chegou no ano de 2010 e, ano passado, já na área clínica, se adaptou para assumir o maior desafio dos profissionais da linha de frente.
“Achei tudo muito estranho e rápido, quase não conseguimos acompanhar todas as mudanças, eu ia pra casa e quando voltava para o trabalho o cenário não era mais o mesmo, isso desde o início da pandemia. No início eu chegava em casa, tirava a roupa e ia direto para o banho, a roupa lavava separado das outras. Também dormia separado do meu companheiro. No Hospital chegávamos e trocava a roupa, ao final do plantão tomava banho no hospital e trocava de roupa”, conta, sobre impactos que atingiram sua vida pessoal.
O mais difícil ainda ficava para a o hospital. Ela não esquece a primeira vez que precisou lidar com um óbito por Covid. Devido ao risco do contágio, as vítimas do coronavírus precisam ser colocadas em sacos para um velório às pressas. Sem despedida. Sem o adeus dos familiares. Além disso, há a distância dos pacientes e dos próprios profissionais, quase irreconhecíveis dentro da paramentação.
“Eu podia apenas oferecer a mão enluvada e, em muitas vezes, fazer uma ligação de vídeo para os familiares e o paciente diminuírem a saudade. Por muitas vezes essa era a última visão que tinham do seu ente querido”, conta, dizendo que utilizava o próprio celular e os próprios dados móveis para garantir esse contato.
Apesar de toda a preocupação dada, de uma forma ao revés, ela não acredita que a categoria foi valorizada. Neste ano, determinado como o ano internacional do profissional da saúde e dos cuidadores, ela critica a falsa comemoração, que, para ela, deve vir para além de um parabéns.
“Não acho que fomos valorizados, pelo menos eu não me senti valorizada, me sinto muito mais desvalorizada como profissional de educação. Falei algumas vezes que não queríamos palmas e sim valorização, mas não parece que a enfermagem será reconhecida, mesmo depois disso tudo. São muitas cobranças, cobranças que a enfermagem não está pronta para dar conta, não nos ensinaram a fazer isso, e ainda assim as lembranças são para outros profissionais de saúde, mas a enfermagem não está sendo efetivamente lembrada nesse momento como nunca esteve, mas a enfermagem é a categoria que mais é cobrada por qualquer erro que comete ou que outro profissional cometa, ainda assim irá respingar em nós”, desabafa, reconhecendo nisso ainda os esforços da direção do hospital em lutar contra a superlotação, contra as filas de espera e com um vírus que a cada dia segue fazendo mais vítimas.
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