Doutora Daniela Roca, que atua no suporte de saúde mental do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), falou sobre os mitos que se encontram no enfrentamento a problemas mentais.

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) trabalham, anualmente, o Setembro Amarelo. O objetivo da campanha é alertar para a importância dos cuidados com a saúde mental, já que o Brasil vive a dura realidade de ter registrados, anualmente, cerca de 12 mil suicídios. A realidade é bastante triste e atinge, principalmente, os mais jovens.
Dados da ABP dão conta que 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, seja a depressão, a bipolaridade ou o abuso de substâncias. Esse quadro se agravou com a pandemia: embora não haja estudos aprofundados sobre isso, uma pesquisa da ABP, realizada em maio de 2020, revelou que 89,2% dos especialistas entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes, devido aos efeitos do novo coronavírus na sociedade. “De fato, nesta pandemia, aumentou muito os fatores de risco para a saúde mental. Surgiu muito problema financeiro decorrente de desempregos, abuso de entorpecentes [álcool, drogas e outras substâncias], muitas perdas em todos os sentidos; luto de quem perdeu familiares e não conseguiu fazer um velório apropriado e esses são fatores que deram uma piorada na saúde mental durante a pandemia”, avalia a doutora Daniela Roca, que atua no suporte de saúde mental do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em entrevista para a Rádio Educadora.
Mitos da saúde mental
A médica ressaltou alguns problemas no enfrentamento a doenças mentais que ela encontra no dia a dia de trabalho. “O primeiro deles é que muitas pessoas acham que precisar de tratamento de psicológico ou psiquiátrico é sinal de estar louco. Não, gente. Não é nada que a gente possa ou deva se envergonhar. É um problema médico, como diabetes, hipertensão. O preconceito impede que as pessoas busquem tratamento adequado. O segundo mito é que ter uma doença mental é sinônimo de fraqueza. Não. Não é sinônimo de fraqueza, nem de falha ou falta de caráter, é uma somatória de fatores, podendo ser uma predisposição genética, situações clínicas, eventos estressores, qualquer pessoa, qualquer um de nós, pode ter doença mental, afetando pessoas de qualquer idade, raça, situação econômica, e por diferentes situações”, destacou Daniela.
Outro mito visto é que as pessoas com doença mental são preguiçosas. “Escutamos isso todo dia. Pessoas realmente depressivas apresentam lentidão para realizar tarefas simples, falta de interesse, indisposição, isso vai além da força de vontade. Para quem não lida com depressão, pode parecer apenas preguiça, mas muitas vezes o depressivo quer realizar tarefas da mesma forma que realizava antigamente e não consegue mais. Não é preguiça”, completa.
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Momentos felizes também não são suficientes para que a pessoa melhore seu quadro de saúde. “As pessoas falam que quem é depressivo só precisa se animar, ir num bailão, que logo passa. É comum observar uma confusão dos conceitos de depressão e tristeza. Os dois precisam ser diferenciados para que não se banalize o transtorno mental. Vamos fazer um comparativo entre estar triste ou deprimido: seria comparar resfriado comum com pneumonia. Continuar acreditando nesse mito se torna uma grande barreira para ajudar essa pessoa que está precisando. Tem pessoas que falam que problemas de saúde físicos são mais importantes que problemas mentais, mas eu gosto de falar que não há saúde sem saúde mental. É preciso dar atenção aos problemas psicológicos tanto quanto aos físicos”, relata.
Estar ligado aos detalhes é essencial. “As pessoas dizem que quem fala em cometer suicídio não se mata, só busca atenção. Esse é um dos maiores erros quando o assunto é suicídio. Temos que considerar que a verbalização de pensamentos suicidas não devem ser ignoradas, temos que prestar atenção, conversar, procurar ajuda profissional. Outro mito é que o suicídio é um ato covarde, de falta de Deus no coração. Não, é um ato de desespero, de quem não consegue encontrar soluções para a dor. Podemos mudar esse conceito e oferecer ajuda a essas pessoas”, acrescenta.
Daniela Roca ainda comenta que as pessoas acham que doenças mentais são raras. “Segundo a Organização Mundial de Saúde, aproximadamente uma em cada quatro pessoas terá algum tipo de doença mental no decorrer da vida. Provavelmente você vai conviver ou conheça alguém que sofre com distúrbio mental. Outro mito é que você não pode ajudar, que cada um cuida da sua vida, mas familiares e amigos são essenciais para um diagnóstico e o tratamento adequado do paciente. Ninguém está livre de ter isso na sua própria família. Temos que ajudar como? Não sei o que falar? Escute. Sugira procurar ajuda, a marcar uma consulta. O amor salva vidas. O vínculo familiar e os amigos são importantes. Quem vai reconhecer sinais e sintomas de uma pessoa com doença mental? Não é o padeiro, que vê uma vez por dia”.
Sinais dados podem ajudar a identificar problemas
A médica destaca como identificar as pessoas com problemas mentais. “Existem sinais que podem mostrar sofrimento da pessoa, ou que ela esteja pensando ou até planejando suicídio. Vamos prestar atenção em mudanças bruscas de atitudes, se está querendo resolver assuntos pendentes, se isolando, se decide fazer um testamento sem explicação, devolver algumas coisas emprestadas. Temos os sinais verbais, como frases que podem ser interpretadas como uma despedida, ditas diretas ou indiretamente. Como, por exemplo, eu não estarei aqui no próximo ano, ou você não me verá aqui de novo, não posso mais aguentar, quero dormir e nunca mais acordar. Conversem bastante com pessoas de confiança. Se a pessoa identifica que não está conseguindo sair sozinha dessa situação, procure ajuda”, conclui.
A dica da médica é para que qualquer pessoa que não se sentir bem, procure unidade de saúde mais próxima, um hospital ou ligue para o 188 que é o telefone de valorização da vida.