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Francisco Beltrão
domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

Coronavírus: o isolamento das pessoas precisa continuar

Não há outra maneira, neste momento, se não isolar. Todo mundo mesmo, a princípio, nesses primeiros 15 dias, para evitar que a população de risco se contamine.

O presidente da Associação Médica do Paraná Regional de Francisco Beltrão, Gustavo Vicenzi, e o diretor do CRM (Conselho Regional de Medicina), Badwan Jaber, falam, nesta entrevista, de suas preocupações e medidas tomadas e recomendadas para o atual quadro de instabilidade mundial devido ao aparecimento dessa nova doença do coronavírus. Foi ontem de manhã, no consultório do dr. Badwan.

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Qual é o recado principal que os senhores têm, neste momento, para a população beltronense e da região?
Dr. Gustavo – O que está mais grave é o pronunciamento do presidente de ontem (dia 24), Jair Bolsonaro, dizendo que essa infecção pelo coronavirus é um simples resfriado. Nós temos que reforçar para a população que é uma infecção grave, um vírus que tem uma letalidade muito grande. Na Itália estão morrendo cerca de 700 pessoas por dia, e isso é muito grave. No mundo inteiro, uma pandemia. Temos que tratar com seriedade este assunto, e o isolamento social é a maior arma que nós temos. A população está realizando, e talvez por esses motivos, não temos tantos casos na região sul.

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Dr. Badwan – A nossa preocupação como médicos é zelar pela saúde. E a recomendação hoje é essa, evitar o contato para que essa quantidade de casos que vão ter, os graves principalmente, não sobrecarregue o sistema. O sistema é limitado hoje, e se sobrecarregar, a gente sabe que será grave. Então que essa procura seja gradativa, e o isolamento é, de fato, o mais efetivo que temos. É claro que o discurso do presidente foi na contramão, mas há também a preocupação com a economia, que é outra coisa que, como se diz, é invisível e vai acarretar um monte de problemas para a nossa população. Eu acho que o presidente foi um pouco infeliz nas colocações dele, mas talvez a mensagem que tenha deixado e que a gente pode tirar de proveitoso é em relação à preocupação com a economia. Sabemos que tem muita gente que depende, nas classes menos favorecidas, do salário para tudo, e o salário já é curto em um mês normal. Tem muitos, diaristas, funcionários semanais, informais que já estão tendo dificuldades.

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Na visão dos senhores, esses 15 dias continuam sendo necessários em isolamento total?
Dr. Gustavo – São fundamentais. Veja, o Brasil é um país de proporções continentais, assim como os Estados Unidos. A infecção está se comportando um pouco diferente devido às proporções físicas, geográficas. Só que, como o dr. Badwan falou, é muito grave ficarmos à mercê dessa pandemia e não tomarmos atitudes agora, sérias. Desde a lavagem das mãos, do isolamento social, essas informações que já estamos vendo bastante na internet e no jornal, precisamos seguir para que a gente não tenha esse pico de infecção e aí sobrecarrega o nosso sistema, e a gente não está preparado para receber uma quantidade muito grande de pacientes. A grande característica dessa infecção viral é que ela atinge pacientes com mais idade, e esses pacientes evoluem de forma muito negativa na parte pulmonar, precisando de UTI e respirador, a gente não tem isso à disposição na região e no Brasil todo. E em outros países também, nós temos acompanhado. É importante que mantenhamos esse isolamento, esses cuidados gerais, e, passando essas duas semanas, talvez a economia comece a voltar alguns setores essenciais para a manutenção do Brasil.

O que se sabe é que voltando a economia aumenta o risco de se propagar o vírus, e não havendo outro jeito, tem que voltar a trabalhar. Já aprendemos não cumprimentar apertando a mão um do outro, abraço, nada. Que outros cuidados a nossa população deve aproveitar esses dias para aprender? Se caso vir mesmo o vírus, o que tudo indica, virá!
Dr. Badwan – Nós também não podemos disseminar o pânico na população, o efeito manada é uma coisa muito complicada quando se lida com coletividade. A infecção pelo coronavírus é uma espécie de gripe e que, em pessoas sadias, em jovens principalmente, ela tem uma tendência a ser uma virose que se comporta como um resfriado, uma gripe. Nós não estamos preocupados com essa população, nós, na verdade, estamos preocupados com a população idosa, principalmente acima de 60 anos e que tenham doenças associadas, como diabetes, pressão alta, imunidade baixa, que é muito comum nessa faixa etária. Embora os jovens não tenham complicações a essa doença, eles são os vetores, esse é o grande problema. Por que está todo mundo isolado? Adolescentes, crianças, porque nós somos os vetores, e somos os que vão levar o vírus para essa população que tem problema. Não há outra maneira, neste momento, se não isolar, realmente o isolamento. Todo mundo mesmo, a princípio, nesses primeiros 15 dias, para evitar que essa população de risco se contamine. Porque se essa população de risco se contaminar, a chance de ela ter uma complicação, e ir parar no hospital e depender do respirador e da UTI é muito grande. Imagine se não fizéssemos o isolamento, essa população toda se contaminaria, uma grande quantidade iria para o hospital e precisaria de UTI, e nós não temos UTI para todo mundo. Essa é a mensagem que queremos passar para a população sadia que provavelmente vai ter uma gripe, um resfriado com o coronavírus.

Dr. Gustavo, como o senhor vê a classe médica de Beltrão no enfrentamnto desse problema?
Dr. Gustavo – Temos enfrentado o problema com seriedade. Temos percebido que alguns profissionais em doenças ou idade acima dos 60 anos, a nossa orientação é se afastar um pouco do combate de frente. Mas nós temos visto uma classe médica engajada, como sempre foi em problemas graves. Temos uma preocupação muito importante com equipamento de proteção individual. Sabemos que a estatística de mortalidade, inclusive na classe médica nos países que tem enfrentado essa batalha, a Itália, por exemplo, é muito alta a mortalidade dos profissionais de saúde, que estão de frente com o problema. Temos uma atenção grande com relação a isso, porque esses profissionais precisam ter os equipamentos de proteção, pra preservação da vida desses profissionais e até para que eles não sejam vetores que levem também esse vírus nas suas casas. Muitas vezes, profissionais de saúde moram com pessoas idosas que podem ser afetadas. Então é uma preocupação muito importante da Associação Médica e da classe médica com relação aos equipamentos. Está sendo feita uma compra extensiva no mercado, obviamente que não existe pra todo mundo, para todas as cidades, está faltando equipamento de proteção individual pros médicos, enfermeiros e equipes de enfermagem. Estão sendo adaptados alguns equipamentos. Esses profissionais precisam de uma roupa impermeável, que o vírus não passe para seus corpos. Como não tem no mercado pra comprar, algumas empresas da cidade estão ajudando (malharias e indústrias de confeção), máscaras, óculos, proteção de face, tudo isso está sendo buscado. Temos muita preocupação e não esperamos, mas pode acontecer um aumento grande de casos e aí sim a preocupação é grande. Se continuar do jeito que está, o que é essa curva que tanto se fala e se precisa achatar? Não podemos ter agora aquele pico de infecção, porque sobrecarregaria o sistema e precisaria de muitos equipamentos que não teria à disposição. Se a gente conseguir manter como está agora, principalmente aqui no sul do Brasil. Precisamos falar da temperatura que está a nosso favor, o vírus morre, ele não é viável com 20, 25 graus, por isso esse sol com temperatura alta está a nosso favor, ao contrário da Europa que está saindo agora do inverno. Mas mesmo assim a gente tem que se preparar pro pior. Existem algumas estimativas que no mês de abril, vindo o inverno, enfim, quando a temperatura for mais amena, poderemos ter um aumento desses casos de infecção.

Como é feito, em casa, o isolamento de uma pessoa suspeita do coronavírus?
Dr. Gustavo – Essa é a grande dificuldade. Obviamente que essa pessoa precisa ficar isolada de outros familiares, inclusive, principalmente de pacientes familiares idosos. Você imagine o problema que nós estamos tendo. E quando falamos de profissionais de saúde, que vão estar de frente com esse vírus, com a chance muito grande de infecção, como é que ele vai chegar em casa? Ontem mesmo, estivemos com o prefeito Cleber, solicitamos essa demanda com os profissionais de saúde, com os médicos que estão de frente pra esse combate, eles não vão poder voltar para suas residências, está tendo esse movimento, já não só no Brasil, mas em outros países, é uma situação triste, emocionante, temos acompanhado, é uma despedida que esse profissional tem da família, dos filhos. Estamos vendo já alguns locais para alojar esses profissionais da saúde. A rede hoteleira está vazia, está disposta a aceitar esses guerreiros, vamos dizer, esses técnicos de enfermagem, pessoal que está de frente com isso, então, é uma despedida, é uma guerra, uma batalha que tá travando. Precisamos manter isolado esse profissional.

Esse isolamento que tá sendo feito agora, por exemplo, teve um caso suspeito em Nova Esperança, a pessoa está sendo monitorada em casa. Como é feito isso?
Dr. Badwan – A pessoa tem que ficar isolada num quarto com banheiro, isolada do resto da família.

E se é numa casa que só tem um banheiro?
Dr. Badwan – Inviável. Nós sabemos disso. Os infectocontagiosas priorizam que seja feito isso, mas a realidade brasileira é complicada, essa é a grande preocupação. Por exemplo, com um surto numa favela: lá moram quinze, vinte num mesmo cômodo, com banheiro pra dividir, isso realmente é inviável.

A maioria não tem onde ir.
Dr. Gustavo – Não tem. Na Europa, a gente tem acompanhado que alguns hotéis se dispuseram a ofertar quartos pra essas pessoas em isolamento. No Rio de Janeiro, saiu que um barco abrigaria, então você imagine o problema, o custo, a dificuldade.

Dr. Badwan – Acho importante, do doutor Gustavo, a situação médica tá bem preocupada e mais mobilizada, acho que é esse cuidado que nós vamos ter com esse profissionais. Pelo seguinte, um médico afastado, digamos um colega nosso que teve que ficar 14 dias em um isolamento…

Já aconteceu algum caso aqui?
Dr. Gustavo – Não, mas é uma baixa na frente de batalha, então, quantos ele poderia atender e ser produtivo. Principalmente porque a gente espera que tenha um pico daqui a mais alguns dias. Esse cara vai fazer falta, tanto que o ministro priorizou que os profissionais de saúde sejam os primeiros testados.

Dr. Gustavo – Agora, veja o seguinte, um cenário de super infecção, com UTI, como a gente tá vendo na Itália, vamos imaginar Francisco Beltrão, estamos torcendo pra não acontecer, esse profissional que atente, esse médico atendeu vai tá positivo, estando positivo não significa que vai estar doente. Vamos lembrar que pacientes jovens, muitas vezes eles não evoluem. Talvez o presidente foi infeliz em dizer isso ontem, não conseguiu, né. Mas assim, muitas pessoas vão ter o vírus, mas não por isso vão ter os sintomas, de febre alta, tosse ou pneumonia. Essas pessoas vão ter um resfriado, vão continuar atendendo, vão ser um vetor. O que é um vetor: uma pessoa que transmite pras outras. Ela não pode ir pra casa, porque vai ter o seu pai, a sua mãe de idade, então vai ter que se isolar, vai ter que dormir num hotel, numa escola, num alojamento, e no outro dia, ele vai voltar pro hospital.

Dr. Badwan – E ele é o maior potencial vetor. Porque ele vai estar em contato com pacientes. Quantos pacientes ele vai atender em um dia, imagina se ele tiver o vírus, passar pra todo o pessoal que ele tá atendendo, pessoal vai pra casa e passa pra todo o resto.

Comparando com uma corrida: vencedor é o atleta que sabe dosar a energia que ele tem do início ao fim, porque aquele que se precipita no início pode não ter fôlego pra chegar no final. Assim também aqueles que entram em pânico agora, podem ter complicações maiores. Que orientações se pode dar para a população nesse sentido?”
Dr. Badwan – Acima de tudo, bom senso. É uma doença relativamente nova, que veio com força e podemos até ver que as versões mudam um pouco. Uma hora os infectos orientam de uma maneira, de outra de uma maneira mais diferente, porque é uma coisa nova, que está vindo com uma velocidade muito rápida. Se tem alguma recomendação pra ser feita no momento, nessa semana, é o isolamento mesmo. A gente tem que pregar que essa é uma coisa que precisa ser bem feita, isolamento é isolamento, ficar dentro de casa, sair só em extrema urgência, cuidar dos mais idosos, principalmente. Isso acaba prejudicando contatos até mais íntimos, avó, avô, tio, tia e tal. Mas hoje isso é o mais recomendável, é o que tem que ser feito. Talvez, na semana que vem mude. Esse esforço que a gente tá fazendo hoje, com certeza vai refletir na tal da curva, daqui a umas duas semanas, três.

Neste período de prevenção ao coronavírus, os médicos não se cumprimentam com aperto de mão e, ao se reunirem como fizeram Gustavo Vicenzi e Badwan Jaber para a entrevista ao Jornal de Beltrão, mantêm-se distantes, para evitar todo tipo de contato. Assim deve proceder quem não quer coronavírus.

Foto: Ivo Pegoraro/JdeB

 

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