Jovens não acreditam que podem ser infectados, diz psicóloga. Falta falar sobre sexo em casa, complementa enfermeira.
Deu no Fantástico, da Rede Globo, mas poderia ter sido noticiado em qualquer telejornal da região Sudoeste. Na contramão do resto do planeta, a Aids avança no Brasil, sobretudo nos jovens de 15 a 24 anos, cuja contaminação cresceu 53% entre 2006 e 2012 – no mundo, entre 2001 e 2012, o contágio caiu 32%. O mesmo cenário é visto por aqui, onde o Serviço de Atendimento Especializado e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) de Francisco Beltrão atende 467 pacientes, na maioria jovens daquela faixa-etária, idosos e homens homossexuais.
Mesmo com toda a informação e material preventivo disponível – camisinha é distribuída gratuitamente na rede pública de saúde -, há certos tabus que persistem. Um deles está ligado ao estilo de vida atual dos jovens. Na mesma linha em que o doutor Dráuzio Varela tratou o assunto no início da reportagem de domingo, 30, a psicóloga do SAE/CTA, Cláudia Antonelli, aponta a busca desmesurada pelo prazer e um sentimento de “negação” à doença como fatores que dificultam a conscientização de um público teoricamente esclarecido sobre o tema.
“Me parece que essa busca hedonista do prazer a qualquer custo está resultando em muitos acidentes, dependência química, gravidez indesejada e o próprio HIV. A gente sabe, por exemplo, que a bebida diminui a censura, o discernimento, então, às vezes, numa mesma noite, o indivíduo tem mais que um parceiro.”
Tal comportamento é potencializado pelo jovem que acredita estar livre da doença apenas por não fazer parte de um “grupo de risco”. “Há a questão da negação da doença. Como a Aids foi ligada à promiscuidade, à homossexualidade, a grupos, digamos, marginalizados, esses jovens não se veem nesses grupos. Então ele acha que, por ser de uma classe mais abastada, de um nível intelectual melhor, estaria fora de perigo”, afirma Cláudia.
Falar de sexo em casa
O uso do preservativo é o tema mais difícil, segundo a enfermeira e coordenadora do SAE/CTA, Lia Beatriz Henke. “Os jovens não usam, os idosos não usam e as mulheres não têm coragem de falar para o parceiro usar”, diz.
Por isso, ela reflete, é preciso mudar a abordagem pela qual se tenta educar sobre HIV e Aids hoje. “A questão é familiar. Hoje, estamos fazendo educação sexual de fora para dentro. Está errado. A família deveria iniciar esse processo e nós, complementarmos. Se formos a uma escola e perguntarmos quantos estudantes já conversaram sobre sexo em casa, dá pra contar nos dedos.”
Lia afirma que já ouviu de pais em palestra que, ao tratar do tema com os filhos, se estaria estimulando a iniciação sexual. “Falando ou não, logo essas crianças e adolescentes estarão fazendo sexo. O melhor é que eles tenham essa abertura com os pais que fazer tudo escondido, que é o que está acontecendo. Adolescentes de 17 anos estão testando positivo e os pais não sabem sequer que os filhos têm vida sexual ativa.”
Números da Aids
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2006, foram registrados 7,7 novos casos a cada 100 mil habitantes no Brasil. Este número cresceu para 11,8 em 2012. Estima-se que, para cada caso, existam outras cinco pessoas infectadas com o vírus HIV. No país, 150 mil pessoas não sabem que possuem a doença.
Uma pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) feita em 2012 levantou que 33% dos rapazes e 38% das moças entrevistadas não usavam ou quase nunca usavam camisinha. Como consequência disso, por ano morrem 11.896 pessoas em decorrência do HIV no Brasil.