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domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

Fruto da luta de agricultoras, Hospital Regional completa dez anos

Aniversário foi comemorado em fevereiro; luta para região receber unidade começou na década de 80 com movimento de mulheres do campo; Cintia destaca índices positivos no atendimento.

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Por Isadora Stentzler
De um dos quartos do Hospital Regional do Sudoeste (HRS) Walter Alberto Pécoits é que o jornalista Itamar Pereira assistiu, ao lado de sua esposa, a professora Nilse Tesser Pereira, a inauguração do espaço de 12.236,13 metros quadrados às 11 horas do dia 26 de fevereiro de 2010, em Francisco Beltrão. Nilse estava internada desde o dia 19 daquele mês, transferida da Policlínica São Vicente de Paula, e era a primeira pessoa a ocupar um dos 150 leitos iniciais. Chegou antes da inauguração oficial e estava apenas com o marido no quarto. Mas pela TV Itamar presenciou um dos marcos históricos para a saúde da região Sudoeste do Paraná, nascido da luta de mulheres agricultoras ainda na década de 1980.

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“Ela [Nilse] estava há 40 dias na Policlínica, até que um médico sugeriu que ela fosse para o Hospital Regional. Isso foi muito bom, porque ela pôde permanecer mais tempo em um hospital [foram mais 100 dias]. E foi bom também para o psicológico dela”, lembra Itamar, que permaneceu ao lado da esposa nos anos que se seguiram, até sua morte, em abril de 2016.

Na época, médicos da Policlínica atuavam no Hospital Regional, que dava os primeiros passos na região após anos de luta. O precursor para isso, recorda-se a agricultora familiar Zelide Catellan Possamai, de 65 anos, foi um movimento de mulheres do campo, ainda em meados de 1980.

“Antes do Hospital Regional a gente tinha um hospital com o SUS [Sistema Único de Saúde], a Policlínica. Mas a Policlínica passou a ser particular e acabamos ficando só com o Hospital São Francisco.

Então a saúde era bem precária, porque o Hospital São Francisco não vencia atender a região toda e foi aí que começou a luta pelo Hospital Regional”, conta Zelide, que na época era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. “Aí foi passando o tempo e a gente pensou, com a Comissão Regional de Mulheres, em fazer uma luta para o Hospital Regional. Por isso dizemos que foi um movimento de mulheres que conseguiu o Hospital Regional.”

Luta de mulheres
A mobilização das mulheres agricultoras olhou para um cenário hostil da saúde pública. O município, que não contava com UTI neonatal, por exemplo, precisava levar grávidas até a capital, Curitiba, que sofriam com as longas viagens de mais de 500 quilômetros. Tratamentos de alta complexidade também ficavam aquém e deixavam a saúde em uma situação de sucateio.

Foi em 1996 que essas mulheres conseguiram fazer o primeiro grande ato para a conquista do HRS. Após meses de mobilização, elas entregaram nas mãos da então vice-governadora Emília Belinatti um abaixo-assinado com milhares de assinaturas pedindo a construção do Hospital Regional do Sudoeste, durante um evento que reuniu uma multidão de pessoas. A partir daquele ano, a pauta esteve presente nas ruas, mas tomou forma com a chegada de Luciana Rafagnin (PT) ao Legislativo paranaense, que assumiu uma cadeira como suplente em 1999.

“Minha primeira iniciativa foi apresentar o Projeto de Lei PL 653/1999, que deu origem à Lei 13.199/2001, ainda no governo de Jaime Lerner”, destaca Luciana. O projeto autorizava que as obras do HRS fossem iniciadas, e foi sancionado em 2001.

“Na época da sanção da lei, o então secretário de Saúde do Paraná, Armando Raggio, chegou a declarar que era favorável à construção do hospital, mas a lei nem chegou a sair do papel. Foi somente a partir de 2003, com a eleição de Roberto Requião [em 2002] para o governo do Estado que pudemos iniciar as tratativas para a construção do hospital. Inúmeras reuniões e conversas com autoridades e técnicos do governo foram feitas nesse sentido. Em paralelo ao debate no Estado, foram movidos esforços também junto ao governo federal, no mandato do então presidente Lula. O ministro era o atual senador Humberto Costa [PT-PE], que disse que o governo federal seria parceiro do Estado nessa construção. Mas não precisou porque o Estado acabou assumindo sozinho o compromisso com a obra. Portanto, entre 2001 e 2010 foram inúmeras as reuniões e tratativas para que a lei de criação do hospital saísse do papel e fosse finalmente colocada em prática”, aponta a deputada Luciana, que também sugeriu, em projeto de 2007, que o nome do hospital fosse uma homenagem ao médico e líder da Revolta dos Posseiros, Walter Alberto Pécoits.

Apesar das movimentações, o hospital passou a ser bandeira política e alvo de promessas eleitorais. A própria inauguração estava prevista para quatro anos antes de fevereiro de 2010, mas impasses com recursos, pagamento de funcionários e empresas responsáveis pela obra impediram a celeridade.

Hospital referência
A economista Cintia Jaqueline Ramos, na direção do HRS há um ano, era secretaria de Saúde na época da inauguração e fala do marco divisor criado pelo hospital. “Eu sei o que é ser secretaria de Saúde antes e depois do Hospital Regional”. Ela é a quinta diretora da unidade e comemora os avanços na medicina para a região proporcionados pelo hospital, que hoje atende os 42 municípios das 7ª e 8ª Regional de Saúde e conta com 4.484 funcionários da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná (Sesa), 70 funcionários da Fundação Estatal de Atenção em Saúde do Estado do Paraná (Funeas), 133 médicos prestadores de serviço e demais funcionários terceirizados para as áreas de vigilância, limpeza, alimentação e laboratório de análises clínicas – fazendo do hospital a terceira maior empresa de Francisco Beltrão.

Cintia Ramos

 

Os números do HRS é que revelam este salto. Só em partos realizados, o crescimento foi de 766%, passando de 145 para 1.256 na década. Acompanham o crescimento as cirurgias, que aumentaram 511%, as consultas, 322%, e as internações, 517,3%.

Cintia cita ainda os mutirões de cirurgias, que permitem celeridade na fila de espera, atendimento à gestação de risco (responsável por 24% do volume dos procedimentos) e atendimento a traumato ortopedia (47% do volume cirúrgico). “Esses são nossos pilares”, destaca, “que permitiram a mortalidade materno infantil chegar a zero e a mortalidade infantil ficar abaixo dos índices do Paraná, com índices aceitáveis, de primeiro mundo. E isso, há seis anos, era o inverso: éramos uma das regiões de saúde com o pior índice de mortalidade infantil”. Em 2018, o hospital também assumiu a responsabilidade por toda o traumato ortopedia da 8ª Regional de Saúde.

Licitação para banco de leite
A gestão do HRS sonha agora com ampliação do centro de hemodinâmica (uma área estudada para mais 1,3 mil metros quadrados) e a efetivação do banco de leite – unidade já instalada e que contou com investimento de mais de R$ 40 mil dólares pelo Rotary Club Francisco Beltrão – Vila Nova, mas que ainda precisa de estimados R$ 320 mil em equipamentos.

O banco de leite, ou banco de leite materno, será capaz de coletar, analisar, armazenar, preservar e doar leite materno para crianças cujas mães não são capazes de amamentar. O serviço também auxilia no tratamento de crianças prematuras em unidades neonatais, espaço que já existe no HRS.

Presidente da Funeas, Marcello Augusto Machado, disse que a licitação para o banco de leite já está em andamento pela Secretaria da Saúde do Paraná, mas evitou falar em prazos. “O banco de leite será efetivado em breve, com a disponibilização ao hospital dos equipamentos necessários, cuja aquisição está em andamento”, destacou.

Quanto à ampliação para serviço de hemodinâmica e implementação de uma unidade coronariana, Machado disse que “o projeto de adequação está em revisão e aprovação”. “Podemos falar, dentre algumas previsões, da ampliação da resolutividade, com a oferta de novos procedimentos médicos e de especialidades, com ampliação física, humana e de equipamentos, segundo a lógica da regionalização da assistência, uma das diretrizes do governo do Estado para colocar os serviços mais perto das pessoas”, ponderou.

Em relação a recursos, a deputada Luciana Rafagnin disse que já apresentou uma proposta de emenda ao orçamento do Estado de R$ 2 milhões para custeio (de caráter coletivo, com outros deputados), mais uma emenda de R$ 200 mil, solicitado à deputada federal Gleisi Hoffmann (PT), a ser empenhada este ano.

O Hospital Regional Dr. Walter Alberto Pécoits, no Bairro Água Branca, em Francisco Beltrão, que foi inaugurado em 2010. Construção demorou quatro anos para ficar pronta.

“Um defensor do SUS”
 O médico gaúcho Walter Alberto Pécoits, que chegou em Francisco Beltrão no ano de 1952 e que dá nome ao Hospital Regional do Sudoeste, foi um grande defensor do Sistema Único de Saúde (SUS), como lembra um dos seus filhos, que leva o mesmo nome e o mesmo ofício do pai. Pécoits morreu em 2004, mas deixou o legado de luta pela reforma agrária e reforma sanitária brasileira, construído nos anos em que atuou como vereador (1957 a 60) e prefeito de Francisco Beltrão (1961-62), deputado estadual (1963-64), diretor da 8ª Regional de Saúde (governo Jaime Lerner, 1995-2002) e nos anos de chumbo, quando foi perseguido e torturado pela Ditadura Militar.

Governador em 2008, Roberto Requião (MDB), que se dirigia a Pécoits como “um grande amigo”, autorizou o batismo do HRS com seu nome a partir da publicação no Diário Oficial da Lei número 15.795. “Acho que meu pai gostaria da homenagem”, pondera o filho de Pécoits, médico Walter Pécoits Filho. “Meu pai era um grande defensor do SUS.” 

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