Doutor Valdir Spada Júnior expõe argumentos diferentes aos do manifesto divulgado ontem por grupo de médicos beltronenses.
O tratamento precoce para a Covid-19 voltou a ser discutido nesta semana, quando um grupo de médicos de Francisco Beltrão divulgou um manifesto e foi até a Câmara de Vereadores solicitar que o poder público aceite a indicação. No entanto, a opinião não é unanimidade na comunidade médica e o debate ganhou volume, principalmente nas redes sociais.
[relacionadas]
O Jornal de Beltrão conseguiu contato com três profissionais médicos contrários ao tratamento precoce, dois deles optaram por não se manifestar publicamente sobre o assunto. Quem respondeu à reportagem foi o infectologista Valdir Spada Júnior, que defende a vacinação em massa, o uso de máscara e as demais medidas de prevenção que vêm sendo difundidas desde o início da pandemia. Confira a entrevista, concedida ontem, por aplicativo de mensagem.
JdeB – Quais são os argumentos que o fazem refutar essa posição?
Dr. Valdir Spada Júnior – Eu defendo a autonomia do médico. Assim como existe um grupo de médicos que apoia o tratamento precoce, existe uma maioria que não apoia, e eu me enquadro nesse grupo. Os trabalhos estão aí pra todos lerem.
A cloroquina foi a primeira que demonstrou ser ineficaz e até o principal defensor já admitiu isso. Se você digitar no Google o nome Didier Raoult, vão aparecer várias notícias em que esse pesquisador admite a ineficácia da cloroquina em Covid.
A ivermectina se mostrou eficaz em laboratório em uma dosagem impossível de se prescrever no ser humano. Pra conseguir algum efeito no SARS-COV2, teria que se prescrever 900 comprimidos por dia de ivermectina e logicamente que isso é impossível. O trabalho também está na internet pra livre acesso.
Essa dosagem que é prescrita nem de perto tem ação no vírus. As vitaminas podem colaborar de outra forma, mas no vírus não têm ação nenhuma também. É importante falar que a não prescrição do tratamento precoce não significa que o paciente ficará desassistido. Temos que entender que hoje, 17 de março de 2021, não temos nenhum tratamento com ação no vírus.
Em nenhuma cidade que instituiu o tratamento precoce as coisas melhoraram. São dados, não é a minha opinião. Em dez cidades que adotaram o tratamento precoce, nove tiveram índice de mortalidade mais alto do que o índice do próprio Estado.
Chapecó adotou no início de janeiro, aceitando até receita de consultório particular pra fornecimento da medicação no SUS, e colapsou em março. Não é isso que vai mudar a evolução, infelizmente.
Nenhuma sociedade médica brasileira, incluindo a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Medicina Intensiva, a Sociedade Brasileira de Pediatria ou qualquer outra, nenhuma sociedade médica internacional de país desenvolvido, nenhuma agência regulatória de medicamentos ou instituição internacional de saúde pública recomenda tratamento precoce ou profilático.
A gente deveria estar discutindo vacinação em massa, a iminente falta de medicamentos pra entubação, incentivando a população a usar a máscara e as outras medidas. Estamos gastando energia e recursos financeiros em algo que em nenhum lugar do mundo funcionou e quem tentou não teve resultado na redução da mortalidade.
Mas, se mesmo assim o médico acreditar em tratamento precoce, ele deve discutir com a família sobre a prescrição. Essa é a minha visão do porquê eu não recomendo o tratamento precoce, respeitando opiniões diferentes da minha.
Quais consequências essa pressão pode trazer neste momento da pandemia?
Consequências negativas pra todo mundo. Pro médico que não prescreve, pras famílias que estão no meio desse tiroteio, pros gestores que vão ter que justificar o gasto em remédios sem comprovação de funcionamento. Todos saem perdendo. Na minha opinião, o foco deveria ser outro. A medicação é disponibilizada no SUS e o médico não é impedido de prescrever. Uma boa relação médico-paciente pode esclarecer qualquer dúvida com relação a esse tratamento. Precisamos pregar o respeito.
[banner=100072]
Qual é, hoje, o tratamento que está sendo dado para os pacientes?
As medicações que modificam o curso da doença são os anticoagulantes, os corticoides, mais recentemente tivemos bons resultados com uma medicação chamada Tocilizumab e a oxigenioterapia. Todos eles devem ser prescritos em fases apropriadas da evolução e são indicados para controlar a grande inflamação e a trombose em pacientes que precisam ser hospitalizados. Foi aprovado recentemente pela Anvisa o uso também do Remdesivir, mas também para pacientes hospitalizados.
O que pode, realmente, prevenir contra a Covid?
Quanto menos exposição ao risco, menos chance de se pegar. Não estou defendendo lockdown, que só deve ser usado em medidas extremas. Se for possível evitar sair de casa, permaneça em casa. Se não for possível, seja consciente. Não aglomere! Use máscara nos lugares que você for, mesmo na rua.
Quanto mais pessoas usando máscara, mais pessoas vão lembrar que isso é necessário e que o normal é o uso da máscara, e não o contrário. Vamos lutar pela vacinação em massa. É a única medida que vai fazer com que voltemos ao mais próximo do normal.
