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Francisco Beltrão
domingo, 01 de junho de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Pedrinho Zancan: Trabalhar faz bem e fazer amigos também

Nos documentos não aparece o segundo nome, mas no batismo foi registrado como Pedrinho Paulo Zancan. O Paulo deve ser pela proximidade da data, Pedrinho nasceu dia 30 de junho de 1943, um dia depois da festa de São Pedro e São Paulo. É o penúltimo dos 14 filhos de Maximiliano Primo e Angelina Strapasson Zancan, pioneiros de Francisco Beltrão.

Ele diz que ainda lembra da chegada de sua família na Água Branca, dia 29 de janeiro de 1948 – os pais Maximiliano e Angelina e seus 13 filhos vivos: Regina, Oliva, (um filho homem que morreu com 14 meses de idade), Italina, Antônio, Zélia, Assunta, Terezinha, Lourdes, Diles, Nildo, Darci, Pedrinho e Zenilva.

Pedrinho casou em Verê, no ano de 1964, com Élia Vazatta, com quem teve dois filhos: Amarildo, hoje com 48 anos residindo em Concórdia (SC), pai do neto Rafael, e Edson, que faleceu logo após o nascimento (meningite).

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Do segundo casamento, com Célia Becker, tem dois filhos: Simone e Volnei Alexandre, casado com Elidiane, pai do Alexandre, de 5 anos.

Pedrinho nasceu em Nova Bassano e foi registrado em Nova Prata (RS), depois morou em Francisco Beltrão (desde o tempo da Vila Marrecas), Verê, Capanema, Coronel Vivida, Beltrão novamente e Marmeleiro, fora as cidades que conheceu como caminhoneiro. Foi agricultor, entregador de leite, barbeiro e funcionário público; teve trator de esteira, aviário, caminhão e restaurante. Em Marmeleiro, com seu restaurante de grande tradição já de dez anos, na saída para Pato Branco, na sombra das árvores, tomando chimarrão e tratando os ratinhos brancos do netinho Alexandre, ele recebeu o Jornal de Beltrão para esta entrevista.

 

JdeB – Como está a sua rotina hoje, Pedrinho?

Pedrinho – Tá uma beleza. Eu tenho minha área aqui fresquinha, o restaurante é um lazer pra turma vir aqui nos domingos, eu tenho uma freguesia grande de Beltrão que vem pra cá porque eles vêm comer um leitãozinho à pururuca. Então, graças a Deus, atende bem. Eu tive bar, churrascaria e dormitório no Verê. Depois eu peguei trecho, caminhão, e fui pra estrada. Depois eu vendi o caminhão, comprei uma lanchonete em Coronel Vivida, fiquei um ano ali, 24 horas. Depois me atraquei num trator de esteira, em Capanema. Então eu tenho bastante história pra contar.

 

Vamos contar um pouco de cada, começando com a vinda de vocês do Rio Grande do Sul, o seu Maximiliano, seu pai, e a dona Angelina, sua mãe. Quando vocês vieram de Nova Prata, você tinha menos de 5 anos, lembra da mudança?

Pedrinho – Se eu me lembro? Lembro sim. Lembro que quando chegamos no hotel do Fazolin, em Pato Branco, eu tinha aquela jaquetinha nova, faceiro, e coloquei nos pés da cama a jaquetinha, e de manhã cedo um caminhãozinho buzinou pra nós se levantar e me esqueci a jaquetinha. Até hoje me lembro.

Esqueceu a jaqueta no hotel? 

Pedrinho – Ficou no hotel, pendurada na cama. E a minha jaquetinha, bem faceiro eu tava, ficou em Pato Branco, lá no Hotel Fazolin.

 

Não recuperou mais.

Pedrinho – Não, não. E daí chegamos até na Água Branca, ali tinha chovido. Viemos com dois caminhãozinho, “chevroletzinho” e um “fordzinho 46”. Chegamos em Beltrão dia 26 de janeiro de 48. Mas levamos oito dias de lá até chegar aqui. Chegamos na Água Branca, acabou a estrada pra frente até Beltrão, tava atoladão, não ia. Depois foi descarregar num galpão velho a mudança e depois o pai e o mano foram puxando, fazendo uns ranchos de tábua lascada, e nós ficamos acampados ali. E foi puxado de carroça, cargueiro, aquela mudança até no Vila Nova.

 

O seu pai já tinha comprado o sítio?

Pedrinho – Já, já tinha comprado. Ele já tinha vindo antes e comprado. E daí começaram a derrubar a mata e fazer roça, ainda bem que quando viemos de lá o pai matou um boi e dois porco, fez banha à reviria, charque, pra seis meses nós tinha comida. E foi se preparando porque sabia que ali era mato e até derrubar, plantar e colher demorava. Ele já veio preparado, porque a família era grande. Nós éramos em 13 irmãos e mais o pai e a mãe, e dois cunhados, porque já tinha duas irmãs mais velhas casadas. Viemos e ali começamos a vida em Beltrão. E aqui em Marmeleiro, quando nós passamos, o rio tinha aquela pontezinha baixinha, quase enroscava na água ali, passamos e fomos embora.

 

Como era Marmeleiro?

Pedrinho – Marmeleiro era pequeno e as estradas era tudo umas pirambeira. Depois que peguei caminhão, esse pedacinho aqui assim que ia pra lá, quantas vezes que eu fui pro cepo com o caminhão carregado demais e a estrada era braba. Aqui e no Forquilha, antes de chegar em Pato Branco. Chovia, era uma tragédia. E Beltrão não tinha comércio, tinha uma meia dúzia de casa. Pra vender algum porco, alguma coisa, tinha que levar lá em Pato Branco; pra comprar alguma coisa tinha que ir em Pato Branco. Pato Branco já tinha um comerciozinho mais reforçado. O porco, por exemplo, desde o Luiz Faedo que tinha safra de porco e o Júlio Assis de gado e eles dividiram ali, e pra vender porco em Pato Branco levava tropeado daqui, os porco andando a semana inteira até chegar em Pato Branco. Em Beltrão tinha uns comércio, mas bem fraco. Beltrão que era Marrecas ainda.

 

E a sua irmã Italina foi a primeira professora e você foi aluno dela?

Pedrinho – A Italina, que está viva até hoje, com 87 anos, começou a dar aula lá perto do Quartel, na casinha, e nós morava aqui no Miniguaçu, perto do Parque, até um pedacinho do Parque era nossa terra, depois o pai vendeu. Nós íamos na aula, mas vinha aqui onde tem a Unioeste, que a estrada era por ali, o posto Ivalu, pra depois fazer a volta e ir lá no Quartel, dava oito quilômetros pra nós fazer o trajetinho de ir e voltar, a pezinho. Ela ia dar aula e eu e o Darcy, meu mano, e o Nildo, ia na aula junto com ela.

 

E ela contou que uma vez entraram pelo meio do mato e se perderam. Você não lembra disso?

Pedrinho – Não, não me lembro direito. Mas é uns atalhos por ali, tinha que passar o Loqueador ali meio por cima das pedras, porque não tinha ponte, era só lá em cima do Itaú (de hoje), e depois pra nós achar, era a Invernada do Faedo, nós chamava ali, não foi fácil nós se achar pra vir pra casa, era tudo matão.

 

E você gostava de caçar?

Pedrinho – No nosso tempo não tinha diversão nenhuma, então nós ia pescar no Rio Lonqueador, no Rio Urutago e no Rio Marrecas. Caçar e pescar.

 

Que peixe pescava?

Pedrinho – Era tudo quanto é peixinho pequeno. Não existia carpa. Era jundiá, joana, pintadinho, lambari, o que nós pegava aí, comia tudo. Quando chovia, nós corria pegar as minhoquinhas, aonde caía o Lonqueador no Marrecas, que descia aquela água suja, era nosso pescadouro. Com poucas passadas enchia a sacola de jundiá. E nos domingo não tinha o que fazer, então ou ia jogar futebol ou ia caçar com a espingardinha, ou pescar.

 

Você jogava futebol?

Pedrinho – Nós jogava, os três, o Darcy e o Nildo. Hoje o Nildo tá com 73 anos e o Darcy teria 71 e eu tô com 70. Nós três era bom de bola, era metido. Fizemos um campo aí no Jardim Seminário, tudo no machado e picareta e arrancamos tudo. Depois fomos lá no parque, onde tem as mangueiras hoje, e fizemos o campo grande. Depois uma tal de Fenafe, daí fomos lá pro Capelina, fizemos o campo. Depois de lá que viemos pro Torino, que dizer, foi formado o Torino e de lá que viemos pro CTG. Daí o Darcy ia jogar de goleiro pro União. Ele era meio substituto, mas cansou de jogar partida pro União. Daí, já em 62, fui pro Verê, jogava no Treze de Maio no Verê. Eu fui diretor esportivo dois anos lá.

 

Como que de Beltrão foi parar em Verê?

Pedrinho – A minha mana tava lá, a Oliva, e tentou me puxar pra lá porque eles tinham moinho pra tocar e não tinha quem tocava, e eu era colono, até os 17 anos trabalhei na roça, e dos 17 anos fui pra lá e ela: “Pedrinho vem pra cá, vamos tocar esse moinho eu e você”.  Peguei de tocar as “veias” e daí eu fui indo, fui indo e daí o Vilmar Suzzin, o velho Paggi, começavam lá pra vir cortar o cabelo, e eu comecei a cortar o cabelo de um e outro, e foi indo, e eu já cortava o cabelo da piazada de graça, assim, vinha lá pra mim cortar “oh, você cortou bem o do Vilmar, corta o meu”. Fechamos o moinho e fomos montar a barbearia, foi aonde comecei a barbearia Solinge. E dali uns tempos eu coloquei uma livraria junto com a barbearia.

 

Não tinha uma livraria no Verê?

Pedrinho – Não tinha. Eu vendia caderno, lápis, de tudo. Já vinha aquele livro diário que saiu uma época e depois trocaram por outro, e eu já fazia as encomendas, os professores me davam “esse tal livro vai ser este ano”.

 

E onde você comprava as mercadorias?

Pedrinho – Eu comprava do Menon, em Beltrão. Tinha viajante que vendia alguma coisa, mas a maior parte era dele, era tudo Menon.

 

Ficou no Verê até quando?

Pedrinho – Até 72. Dez anos. Daí que vim pra Beltrão. Tinha comprado o caminhão, quando vendi o hotel, comprei o caminhão e puxava frete, mudanças, tudo que era coisarada. E daí foi que vim pra Beltrão e vendi o F6 e comprei um Mercedes junto com o meu mano Darci e peguei trecho, fui pra estrada. Aí não tem o que eu não passei na minha vida, bom e ruim, só que sempre de cabeça erguida. Daí vendi aquele caminhão e fiz pedido de um novo, ia levar um ano pra vir. Comprei a lanchonete de Coronel Vivida, me atraquei ali, fiquei um ano e vendi; comprei um trator de esteira e fui a Capanema e fiquei lá dez ou onze anos.

 

Pegou o tempo da destoca?

Pedrinho – Sim, da safra mesmo. Lá era 24 horas, dia e noite. Tinha dois operador e a cada seis horas trocava, pegava outro operador e ia pro trecho. O trator era um Komatsu 60, importado, japonês. Em 84, 85 fui delegado lá, daí entreguei a delegacia e digo “agora vou embora pra Beltrão”, vendi trator de esteira, tudo, e vim a Beltrão.

 

Tinha o trator, dois operadores, administrava o trator e ainda era delegado?

Pedrinho – E era delegado ainda.

 

 
Pedrinho Zancan no dia desta entrevista, no seu restaurante em Marmeleiro: “Nós jogava, os três, eu, o Darcy e o Nildo. Nós três era bom de bola, era metido”. 

 

Deu bronca no o seu tempo?

Pedrinho – No começo tinha bastante, mas depois foi baixando, sabe, delegado foi pegando o ritmo ali, não prejudicava ninguém, nós ia orientando e tal, e aquelas batidas de campo de futebol, de baile, aquelas coisa lá.

 

Qual é a bronca maior que enfrentou lá?

Pedrinho – Não teve bronca grande lá, tudo bronquinha pequena.

 

O povo de Capanema é um povo bom?

Pedrinho – Bom, quando eu assumi lá já era bom. Quando eu assumi, o chefe de Curitiba da Casa Civil falou que eu era louco. Mas por quê? “Porque já mataram três delegados aí, e tu vai se atracar o quarto.” Eu vou enfrentar a barra. A gente sabendo conversar e levando numa boa, em vez de fazer as encrencas, tudo diminui. Fui acertando amizade com a turma e puxando um lado, puxando outro, eu fazia os caras se abraçar e no fim eles pagavam até um churrasco, melhor que fiz as pazes deles e tava sempre pela boa.

 

Antes de você mataram três delegados em Capanema?

Pedrinho – Três mataram. Daí eu digo “vou arriscar”, e graças a Deus foi bem.

 

E porque saiu de lá?

Pedrinho – Eu entreguei a delegacia, o serviço terminou. Peguei o trator e vim embora.

 

O serviço de destoque terminou?

Pedrinho – Sim, era uns pedacinhos muito pequeninhos, não compensa. Cheguei aqui e logo apareceu um comprador e vendi o trator. Foi onde comprei o sítio no Guarapuava e finquei dois aviários. Daí a Chapecó faliu e faliu nós junto, e eu tava pagando pra criar galinha. Tinha os piá lá dentro que cuidava e sei lá o que deu, tudo bem, vendi ali também. Montei uma garagem de carro do lado da rodoviária, onde é o hotel hoje, e quatro anos ali, já tava indo bem com os rolinhos de carro, aquela coisa, daí entrou o Collor de presidente e me sentou no colo.

 

Pegou teu dinheiro?

Pedrinho – Pegou meu dinheiro.

 

Vendeu a garagem e entrou na Prefeitura?

Pedrinho – Vendi os carrinhos que tinha, paguei as contas, porque quem me devia só pagava 20 ou 30 por mês e o máximo que eles podiam tirar era 50 contos, e daí tive que vender os carros pra pagar onde devia, foi aonde eu entrei na Prefeitura. Dezesseis anos na Prefeitura. No começo eu entrei como cargo de confiança na mecânica, daí eu fiz o concurso. Primeiro eu fiz pra motorista, mas não deu certo com outro cara que tava lá pra trabalhar e pedi pra pegar uma Kombi do Conselho Tutelar, puxar os alunos deficientes da Apae, os visual do Vila Nova e os mental da Apae. Quatorze anos puxando aqueles alunos, foi onde que eu parei.

 

Se aposentou?

Pedrinho – Aposentei, e daí quando me aposentei fazia cinco anos que tinha comprado aqui. E só vinha final de semana.

 

Quando se aposentou, já tinha o restaurante aqui em Marmeleiro?

Pedrinho – Já tinha. Faz cinco anos que eu me aposentei, já fazia cinco anos que eu tinha o restaurante e final de semana tava aqui. Quando eu me aposentei, vim de mala e cuia pra cá morar e, graças a Deus, tô indo bem. Sofri um pouco no começo, até fazer a freguesia, mas tá bom, hoje estamos aí num lugar aberto, que é o que eu queria, sempre dizia pra mulher eu ainda quero uma lanchonete aberta, na BR, onde tem movimento, que nem em Coronel Vivida, aquela vez que eu fiz um pé de meia. E quando dava a Expobel, eu sempre arrumei lanchonete. Aqui churrasco é só no domingo, mas eu tô deixando o leitão e tudo quanto é tipo de carne. E me puxei pra cá e estamos bem. Sofremos no começo um pouco, mas agora tá bom.

 

Serve almoço e jantar?

Pedrinho – Café, almoço e janta, direto. De segunda a segunda. Aqui não tem folga, folga é só quando dá tempo pra ir dormir, não é quando quer. Tem que dar tempo.

 

Você nasceu em Nova Prata, morou em Beltrão, no Verê, morou em Coronel Vivida, Capanema, pelo menos cinco lugares. E agora em Marmeleiro, seis, qual foi o melhor lugar que você morou?

Pedrinho – Falar a verdade, em todo o lugar que morei, a minha terra, que eu quase me criei, a minha tradicional é Beltrão. Só que Beltrão e Marmeleiro já estamos tudo emendado, e agora resolvi passar pro Marmeleiro e aqui enraizei, e Beltrão continua sendo, mas a minha terra agora é Marmeleiro. Já que demorei pra fazer a freguesia pra começar o restaurante, refiz, agora vou manter, não vou jogar os meus fregueses fora.

 

E em Capanema, Verê e Coronel Vivida, deixou amigos lá também?

Pedrinho – Lá no Verê, Deus o livre, lá eu fiquei tempo também, o mais que me amarrava lá era o tal de futebol, e Capanema também, futebol com os veteranos. No Verê nós jogava no Treze de Maio, que era timão, e depois em Capanema. O único lugar que menos foi, foi Coronel Vivida que fiquei um ano, mas Beltrão, Verê e Capanema, todos lugares que sempre gostei e tenho amigos em tudo quanto é canto. Até quando vejo aqueles amigos lá do Verê e de Capanema eu fico faceiro porque lembram do tempo que era mais novo. De vez em quando vêm uns lá do Verê, eles passam aqui, de Capanema também, vêm direto. Mas lá do Verê dá saudade, era tempo de novo.

 

E do seu pai, o que você lembra?

Pedrinho – Do falecido pai? É um coitado, só trabalhava. Aquele tempo lá não existia motosserra, não existia trator de esteira, nada, era no machado, foice e enxada. Coitado do veinho, o pai sempre foi colono, trabalhava que era um cavalo velho. E nós galopeava atrás com a enxadinha, foice, ajeitando também, ele criou a família em treze, tudo bem criado. A gente era pobre, mas comida nunca faltou, tudo nós trabalhava, tinha uma renda boa, só que não via a cor de dinheiro, o negócio era comer e viver a vida. O pai, eu me lembro muito bem quando era piá, ele fez um rancho de tábua lascada, daí ele resolveu fazer um de tábua serrada, mas não tinha serraria em Beltrão. O pai e o Antônio, meu mano que ainda tá ali, pegavam o serrote e estaleiraram umas toras e fizeram tábua com serrote, a muque. Daí nós tinha aquela casa de madeira serrada, mas era coisa linda. Só no serrote, o meu mano ficava embaixo e o pai em cima, pra cima e pra baixo, era assim, não era de lado, meu Deus, coitados, sofriam tanto. Ele era trabalhador, trabalhava de suar, de molhar a camisa, e no fim nós de atrás. A mãe também, meu Deus do céu. Hoje quem tem pai e mãe não dá valor, mas olha, depois que faltar tu vai se lembrar o que é, pra quem tem amor na família. Que um pai e uma mãe, vou te contar, viu, nunca esquece, e sempre tem aquelas recordações de chegar e dar um abraço no pai e na mãe. A mãe então, antes de ela falecer, que eu era caminhoneiro e viajava, na volta tinha que chegar e sentar no colo dela um pouquinho, eu era o nenezão da casa, senão ela embrabava, era o costume.

 

A dona Angelina viveu quantos anos?

Pedrinho – A falecida mãe, 74 anos. E o falecido pai também, 74. O pai é de 1900 e em 1974 ele faleceu e a mãe faleceu um ano depois, foi em 75, com 74 anos.

 

Pessoal judiava muito dos filhos?

Pedrinho – Deus o livre, aqueles tempos trabalhavam, trabalhavam. A primeira carrocinha de boi que nós arrumamos foi anos depois, nós tava em Beltrão era só o cargueiro. Ainda mais que tinha aquele morro, que hoje tem a casa dos padre (Casa de Formação Divino Mestre), aquele morro era nosso.

 

Vocês trabalhavam lá?

Pedrinho – É, ali naquele morro e daí até o parque era tudo nosso. Nós plantava o milho lá em cima, daí o Pedrinho, que era o mais novo, ia com o cargueiro fazer a volta ao redor do morro e ia lá em cima puxar o milho.

 

A família inteira trabalhando.

Pedrinho – Família inteira, como eu era o último da casa, o mais novo, puxava água pra eles na roça, e café. Quando era oito e meia, nove horas, levava o café na roça, e água o dia inteiro. Me lembro um pouquinho do Rio Grande, que eu tinha quatro anos e meio, quase cinco anos, lá não tomava água, era vinho. Tinha aquele corotinho de madeira, de cinco litros, e onde eles trabalhavam também tinha um morrão, e tinha um chatão, e eu levava o corote de vinho e ficava o batente ali, secava, corria lá embaixo, era longinho, dava uns quinhentos metros, quase, o pai tinha aquelas pipas de vinho no porão, enchia de vinho, subia o morro de novo.

 

Com menos de 5 anos levava o corote de cinco quilos?

Pedrinho – De cinco litros, levava e quando secava o corote voltava de novo buscar mais um. Eu, o Darci e o Nildo, os três mais novos andava sempre junto. Quando era pra trabalhar, tinha que trabalhar. E quando a mãe fazia aquelas fornadas de pão, de 14, 15 pães naqueles fornos grandes, no porão nós tinha salame pendurado, toicinhos, então o Darci e o Nildo me erguiam pra cima, eu cortava uma perna de salame, pegava um pão na cozinha daqueles fresquinho e uma jarra de vinho. Nós devorava o pãozão, salame e vinho, por isso que se criemos uns gringo gordo, reforçado.

 

No Rio Grande seu pai tinha parreiral, e aqui ele plantou parreiral?

Pedrinho – Aqui ele experimentou, mas não deu certo. Onde ele plantou era uma terra meio vermelha, sei lá o que deu. Não funcionou, tinha que ser mais pra cima lá no moro, onde tem cascalho, mas ficava meio longe da casa e não quis plantar.

 

Na Vila Nova não tinha igreja, tinha só a Igreja Nossa Senhora da Glória? Vocês iam na missa?

Pedrinho – Só a catedral. Ia, tinha que ir na missa domingo de manhã. No começo era na cruzada, aquelas crianças da cruzada, tanto menina quanto guri, eu até coroinha fui, de bater aquelas sineta, sabe? Daí fui pra mariano, já rapaz, rapaizotão, e as moças eram filhas de Maria, e nós tinha que ir todo domingo. E nós da cruzada era também na quarta-feira, tinha que ir. Depois, se nós quisesse ir pescar ou caçar, podia ir, mas primeiro tinha que ir na missa. Eu também fui leiteiro, levava leite na cidade, a cavalo, com os peçuelos velhos, cheios de litro. Um dia deu uma tormenta forte, foi lá na casa da minha mana, a falecida Zélia e o Vitorino, cunhado. Me escondi ali, porque tava vindo um toró de água e vento. Quando saí dali, que parou de chover um pouquinho, vim embora, passei na frente da igreja, ali cheio de gente, tudo meio assustado, a igreja tinha um metro, quase, fora do lugar.

 

Aquela vez que entortou a igreja?

Pedrinho – É, era de madeira. Um metro não digo, mas mais de meio metro saiu fora do lugar e não tombou, de certo Deus também enxergou, tava todo mundo rezando, eu penso, pra igreja não tombar. Quando cheguei no sítio no Miniguaçu, o potreiro fez uma limpa, pinheiro e coqueiro, tudo, deu aquele redemoinho 20, 30 metros de largura e limpou tudo, mesma coisa quando faz uma limpeza de uma rede de luz, tira só aquela tira no meio.

 

Você entregava e quem cobrava o leite?

Pedrinho – E cobrava também. Chegava fim do mês era um litro aqui, dois ali, três ali, daí eles pagavam, levava pra mãe. O dinheirinho do leite era pra mãe. O falecido pai tinha o produto, daí quando vendia era dele.

 

Numa viagem você levava tudo?

Pedrinho – Mas era uns peçuelo feito de pano, era um em cima do outro, cheio. O Pedrinho chegava de manhã “ó o leite, ó o leite” e a negada dormindo, tinha que acordar.

 

Você ia cedo?

Pedrinho – É. E naquele tempo eles tinham que despejar numa leiteira e não deixava trocar de litro.

 

E quem tirava o leite?

Pedrinho – Nós, os três piás e as minhas irmãs, duas irmãs, três. Nós ia lá, já tirava o leite e já tratava os porcos, a criação, tudo. Clareava o dia tudo mundo ia pra roça. Eu ia levar o leite e os outros ia pra roça.

 

E demorava quantas horas?

Pedrinho – Às vezes ia uns horão da noite pra casa. E quanto frio passei também. E chuva, tinha a capa pra chuva, puxava aquela capa velha e ia, pegava o leite e vamos lá. De manhã, de noite também. Duas vezes por dia.

 

Dava um dinheirinho bom?

Pedrinho – Dava mais ou menos, sabe, a mãe sempre tinha os trocos dela. Comprava as roupas e tudo com o dinheirinho do leite. E nós que era piazada, que precisava ir numa festinha, num bailinho, algum lugar, nós tinha bastante nó de pinho no potreiro, e lenha de angico, então nós, os três irmãos, dois no serrote e um no machado, fazia uma carrocinha de lenha cada um ou a de pinho junto, cada um vendia a carrocinha pro final de semana ter uns troquinhos pra ir nas festas, baile. Era assim, o dinheiro era esse aí. Quando faltava um pouco, não conseguia, nós chegava lá no colo da mãe dá um troquinho pra nós aí.

 

Foi muito tempo entregando leite?

Pedrinho – Ficamos bastante, primeiro era o Darcy, que era o mais velho um pouco, ele que entregava, e depois passaram pra mim. Daí ele ia trabalhar na roça e eu ia levar o leite.

 

Você entregava o leite de manhã e à noite, e estudava quando?

Pedrinho – Estudava muito pouco, muito pouco…

 

A aula era de manhã ou de tarde?

Pedrinho – A maior parte era de tarde. O outro era de manhã. Quando eu ia na aula o Darcy ia levar leite, daí trocava. Onde é o Colégio Suplicy, nós tava na aula quando da revolução de 57. Que os policiais chegaram lá, três, quatro caminhões e ônibus, atropelaram nós lá de dentro. Ficamos 90 dias sem aulas. Mandaram tudo nós embora, que tinha pra dá na revolução no quartel, e tiroteio no outro dia com o quartel e a brigada. Eu fiz o primário mal e mal. E o resto é trabalhar. Eu me admiro hoje que, com 18,  20 anos tem que trabalhar, se nós com 5, 6 anos já tava na roça. Por que hoje não pode trabalhar? Depois pega aquele vício de não fazer nada e não faz mesmo. Trabalhar não faz mal pra ninguém.

 

Talvez não tanto quanto naquele tempo de vocês.

Pedrinho – Mas pelo menos chegavam no seus 10, 12, 15 anos, vai procurar um servicinho meio-dia. Mas hoje ninguém tá com nada, eu vejo por mim aqui, às vezes precisa de garçom, garçonete, pra encontrar não é fácil. E tem gente que está pra lá e pra cá que podia trabalhar. E não tem o que fazer. Por que as maiores indústrias já tão com tudo aqueles robôs trabalhando, montando carro? Porque a mão de obra tá ficando fraca. E tem aula em tudo quanto é canto de graça pra aprender qualquer profissão, mas ninguém tem apetite de trabalhar.

 

Uns trabalham demais, outros de menos.

Pedrinho – E, olha, trabalhar por sinal é saúde, não faz mal pra ninguém. Porque que muita gente se aposenta, alguma coisa tem que fazer, ele tem que passar o corpo gineteando sempre, se mexendo, um exercício ou outro tem que fazer.

 

 

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